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Sátiras no Cinema: produções subversivas atraíram os espectadores nos últimos anos

Entenda como filmes lançados na última década permaneceram no imaginário popular por uma série de fatores

Publicado em 8 de maio de 2022, por Artigos

É possível afirmar com tranquilidade que a maioria dos cineastas gosta de provocar seus espectadores quando têm controle absoluto sobre suas obras, sejam elas provocações com muita violência como Lars Von Trier (de Dogville), Michael Haneke (de A Professora de Piano) e Gaspar Noé (de Irreversível) fazem, ou por meio da ironia com as sátiras que criticam fortemente o modelo de sociedade que temos — é o caso de Charles Chaplin em O Grande Ditador (1940), por exemplo.

Zombar dos padrões impostos pela sociedade é uma virtude e tanto. Mas fazer isso com maestria e propriedade é para poucos. Desde filmes consagrados — o incômodo Saló ou 120 Dias de Sodoma (1975), em que temos a atenção do espectador voltada para visualizar coisas consideradas banais ou até mesmo sérias —, mas banalizada em seu contexto — para se fazer críticas, os cineastas trabalham com os personagens de forma distante. Dessa maneira, é como se eles fossem seus ratinhos de laboratório, moldando-os ao seu ridículo e expondo-os copiosamente em diversas proporções. Vamos ilustrar essa tese com alguns exemplos mais recentes.

Sátira de Charles Chaplin em 1940 possuía um discurso ousado ao falar dos malefícios da ditatura. (United Artists/Reprodução)

Sátira ou a esperada virtude da ironia

[ATENÇÃO: POSSÍVEIS SPOILERS DE ALGUNS FILMES À FRENTE!]

Os projetos do cineasta grego Yorgos Lanthimos chamaram a atenção do público com obras repletas de boas sacadas. Em Dente Canino (2009), o roteiro aborda uma família disfuncional nada divertida, tendo em vista que os pais criam seus três filhos — duas mulheres e um homem com no mínimo 30 anos de idade — de forma privativa: eles não podem sair de casa (ultrapassar os altos muros) para não serem corrompidos pelo mundo exterior.

Seus pais criaram uma série de regras, mudaram o nome de coisas simples e inventaram diversas histórias para que sua prole seja a mais ingênua possível. Nesse cenário, apenas o filho homem conhece o prazer do sexo, mesmo que não entenda muito bem o que aquilo significa — sim, os pais pagavam para uma mulher ir até eles para transar com seu primogênito. Acontece que, embora tentem provar a tese de Rousseau que postulou a célebre frase “o homem é bom, mas a sociedade o corrompe”, o tiro acaba saindo pela culatra com tantas mentiras contadas às suas crianças. Ao final, elas mostram ao espectador que até mesmo a pequena família da qual faziam parte era, de fato, a sociedade que os corrompia.

Planos de Yorgos Lanthimos em O Lagosta infatizam um ambiente desconfortável e satírico. (Sony Pictures/Reprodução)

Já em O Lagosta (2015), cuja trama bebe na fonte do realismo mágico da literatura, a sátira se dá de forma mais mórbida. Os personagens se encontram em uma sociedade distópica em alguma medida, na qual é proibido ser solteiro e não possuir um amor verdadeiro. Por conta desse impasse, existem programas — em uma espécie de SPA — no qual, os candidatos se inscrevem para participar e dele devem sair comprometidos com um companheiro ou companheira. A punição para quem não conseguir seu companheiro até o final do programa, é de ser transformado em um animal de livre escolha — o protagonista vivido por Colin Farrell escolhe uma lagosta, por isso o título.

E as pessoas fazem de tudo para conseguirem esse “amor verdadeiro”, desde de se humilhar pessoalmente a enganar outros participantes. Acontece que a mentira do personagem de Farrell é descoberta e ele foge para um acampamento onde é tudo ao contrário: lá é proibido se apaixonar, todos devem ser solteiros e serem autossuficientes, realizando todas as suas tarefas em plena solidão. Conforme a narrativa avança, o espectador pode perceber facilmente as críticas à nossa sociedade e suas pressões impostas para a felicidade alheia, desde aquelas pessoas normativas que pressionam outras para que namorem ou se casem — e consequentemente procriem — às que ditam o contrário e criticam quem é feliz à sua maneira. O desfecho da trama é bastante provocativo; podemos até nos pegar fazendo uma autoanálise sobre como nos comportamos.

Outro exemplo, é o cineasta David Cronenberg, que também demonstrou estar à vontade para fazer sátiras com os padrões hollywoodianos na última década, sobretudo ao lançar Mapas para as Estrelas (2014). Nele, o público conhece alguns indivíduos que fazem de tudo para subir na vida, seja por estar em uma família com grande poder ou se apoiar em pessoas da indústria.

(Focus Features/Reprodução)

A história do filme segue primeiramente a vida de uma atriz em decadência (interpretada por Julianne Moore) que, quer dar a volta por cima interpretando a mesma personagem que foi da mãe em um remake — coisa bastante frequente em Hollywood. O filme mostra como todas essas “tiradas de vantagens” acabam prejudicando não só a si mesmos, mas também muitas outras pessoas atingidas por tabela. Essa premissa pode parecer batida, mas a execução bizarra e o tom mórbido característico de Cronenberg fazem do longa-metragem algo muito mais interessante do que somente aparenta.

Nesse sentido, é válido refletir que o cinema sempre se utilizou de sua própria linguagem para trazer aos espectadores mais do que simples entretenimento. Pensar em críticas e sátiras faz parte do jogo, seja levando o choque extremo às telas ou apenas pincelando ideias durante alguns minutos. Obviamente, essas questões reverberaram e hoje há mais exemplos para serem analisados, tanto no cinema quanto na televisão e streaming.

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Escritor por vocação, acadêmico por forçação de barra e apaixonado por televisão desde que Chaves começou a ser exibido no SBT. Graduando em Cinema e Audiovisual que ainda acredita em um encontro inesperado com Hayao Miyazaki.