Em X – A Marca da Morte, Ti West elabora paralelo entre assassino e sobrevivente
Lançado recentemente nos cinemas brasileiros, X - Marca da Morte conta com Mia Goth, Jenna Ortega, Brittany Snow, Martin Henderson e Kid Cudi no elenco principal
Publicado em 5 de agosto de 2022, por João Roberto • Artigos, CinemaEm 1979, um grupo de seis jovens vai até uma fazenda afastada na zona rural do Texas com a intenção de gravar um filme pornô escondido de seus anfitriões, um casal de idosos envolto em mistério. Essa locação será ambiente perfeito para um bizarro massacre. O longa metragem X – A Marca da Morte, dirigido por Ti West, é uma investigação do subgênero slasher, popularizado nos anos 1970.
O filme inicia com um plano dentro de uma casa escura apontada para a porta de tal maneira que a princípio parece que a imagem está croppada 4:3, formato mais quadrado que as resoluções horizontais na qual estamos acostumados atualmente, e que dá a impressão de um filme caseiro, feito no passado. Esta cena in media res, ou seja, nesse caso narrativamente no fim da história, mostra o xerife chegando ao local do massacre, não sabemos quem morreu ou quem matou. Perceba que essa ilusão criada pela porta é tom de uma obra interessada pelas mensagens cifradas.
Então, somos localizados vinte quatro horas antes, até o reflexo de uma moça, claramente uma possível final girl que dita o seu mantra, repetido ao longo do filme, de que ela vai fazer de tudo para ter a vida que deseja. Com seu namorado, um cosplay de Matthew McConaughey com sotaque forte e mãos sempre na cintura, eles encontram o resto do grupo em frente a uma pintura desgastada de uma pinup tendo seu biquíni arrancado por um crocodilo que surge como um prenúncio.
Não será o foco do texto, mas vale apontar como os seis jovens, três casais, são bastante lembráveis, pois existem tipos reconhecíveis ou tipicamente estadunidenses; a protagonista e sua sombra azul a quem a câmera do filme tem mais interesse, seu namorado que já foi citado, uma loira à la Marilyn Monroe, um homem preto de black power e ex militar, um nerd da cinefilia, e sua namorada, uma garota da igreja.

(A24/Reprodução)
[A PARTIR DAQUI, O TEXTO CONTÉM SPOILERS]
Bastante esperto é o equilíbrio de tensão que o filme cria até a primeira morte, pois claro, um grupo de jovens no meio do nada com um casal esquisito, e o filme salienta isso muito além do fato deles terem idade avançada, já cria um enredo bastante claro. Mas o longa encontra aí uma oportunidade de criar dúvida, quando assistimos um diálogo íntimo e terno do casal, pois o assassino do slasher não tem espaço para conversas cotidianas. Ao mesmo tempo que as gravações ficam tensas e um dos jovens se enfurece. Seria ele o assassino? Esses dois núcleos vão se encontrar quando na tentativa de ir embora e deixar o grupo, o irritado cinéfilo é assassinado pela idosa que investe sexualmente e é rejeitada.
As duas primeiras mortes utilizam uma composição de luz bastante interessante. Conforme a senhora faz sua primeira vítima a facadas, ela tinge os faróis do carro de vermelho a iluminando nessa cor. Na segunda morte, a sombra na parede de sua silhueta com um tridente de pegar feno alude ao diabo que dialoga com a religiosidade moralista que permeia a história.

(A24/Reprodução)
Existe uma forte identificação visual entre a protagonista Maxine, e Pearl, a esposa idosa do proprietário da fazenda em que o grupo se hospeda, ambas interpretadas por Mia Goth. Uma é o espirito da juventude que luta para criar seu futuro ideal e a outra é a imagem de uma senhora frustrada porque o tempo passou.
E imagem é um ponto importante do longa, ambas personagens são conectadas por cenas em comum com seus reflexos, seja a forma como Maxine é apresentada, Pearl se penteando em um tríptico, ou o primeiro encontro delas, em frente a um espelho, mas separadas pela coluna do corrimão da escada, espelho esse que será quebrado no final. Em outro momento, através de uma janela, Pearl espia Maxine transando e ocupa o seu espaço no plano.
Ambas são separadas pelo tempo, e é assim que a questão do duplo opera aqui, pois Pearl pode e faz tudo que Maxine pode fazer, ela é consciente, tem desejos sexuais latentes e força o suficiente para provocar um massacre, mas por conta da sua idade avançada, na melhor das hipóteses é tratada com uma afabilidade irritante, e na pior, desperta nojo.
Todo o contexto de repressão e liberdade sexual, mesmo que esta se mostre por meio de uma nova repressão, o sonho da fama dentro da indústria pornô, é costurado por cenas de uma televisão ligada em um culto religioso moralista. O que poderia ser apenas uma forma de ambientação, que por vezes traz comicidade, já que o pastor inconscientemente responde aos acontecimentos da casa, como na cena da intervenção divina, ao final revela também ser um mecanismo narrativo para nos dar uma nova informação, a protagonista era filha do pastor.

(A24/Reprodução)
Se por um lado isso dialoga muito com a personagem e seu mantra que busca a vida ideal custe o que custar, e no caso, custou o desamparo de um lar ao fugir de sua família fundamentalista, por outro, essa informação na última cena tira um pouco do charme despretensioso que esse elemento tinha.
Mas afinal o que é o X? A resposta rápida pode ser a dada pelo roteiro, o Fator X que o namorado da protagonista diz que ela tem. Para além disso, o X é proeminente no nome Maxine, aparece nas pernas cruzadas do pôster, é o duplo cromossomo das sobreviventes desse subgênero, é a letra triplicada que denota pornografia. Pode ser também uma cruz? Um alvo?
O pavor e o sexo, que estão intimamente ligados ao subgênero, o medo da sexualidade feminina, não atoa a figura da final girl, lembremos de Massacre da Serra Elétrica (1974), que foi enfatizado em Pânico (1996) e suas reverberações em Corrente do Mal (2014), encontra agora em X – A Marca da Morte (2022) a lascividade e o despudor de sua sobrevivente.