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Lista: Filmes e séries queer para começar

Um guia para quem não conhece nada ou muito pouco do audiovisual queer

Publicado em 5 de novembro de 2022, por Cinema, Listas, Séries e TV

Como já dito na minha coluna Pop na Práxis, há várias maneiras de se colocar politicamente ao falar sobre o corpo, poder, gênero e sexualidade. Nesta lista trago sugestões de direcionamento de filmes e séries brasileiros e internacionais que têm direcionamento e discurso político não hegemônico, podendo falar das situações de personagens e situações LGBTQIA+ sem higienização, com personagens falhos, múltiplos e diversos além da sexualidade realmente livre. Talvez você, assim como eu, perceba que gosta muito mais de obras com texto ou subtexto queer em detrimento do mais comum assimilacionismo.

The Rocky Horror Picture Show (1975)

(RKO Pictures/Reprodução)

Misturando horror (escrachado) e comédia, este clássico americano, até hoje lembrado em peças de teatro musical nos EUA e vividamente ativo no imaginário da cultura pop, o filme possui um subtexto queer muito extenso: além da inconstância de personagens, há menções sempre muito claras sobre sexo. Aquela mansão totalmente surrealista com figuras envoltas na luxúria mais bissexual, transexual e finalmente bastante queer, envolvem qualquer espectador com o “impulso pélvico” presente nas letras da música “Time Warp”. É impossível não querer ser um pouquinho to-to-to-to touched pelos trejeitos não-padrão do Dr. Frank-N-Furter e é simplesmente um filme gostoso de se ver.

  • Assista ao filme agora mesmo no Star Plus.

Orgia ou O Homem Que Deu Cria (1970)

(IFFR/Reprodução)

Um dos maiores historiadores e estudiosos de história LGBTQ+ no Brasil, João Silvério Trevisan, escritor do famoso livro Devassos no Paraíso, teve uma única obra finalizada dentro das artes cinematográficas. Orgia, ou o homem que deu cria trata de alegorias na construção de um Brasil que fosse principalmente queer, refletindo sobre onde e como se dão as manifestações dissidentes de gênero e sexualidade. O filme irritou a censura na ditadura e também possíveis aliados de esquerda como Glauber Rocha, que se viu incomodado quando João toca em seu filme na imagem imaculada de um cangaceiro, que em sua visão possui uma leitura queer, sendo um homem grávido parindo uma criança.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online, mas há uma cópia sem direitos autorais no YouTube.

Garotos de Programa (1990)

(New Line Cinema/Reprodução)

Tratando de temas tabus, esta obra está super consolidada no campo do cinema queer, mais especificamente um período de renascimento e expansão do mesmo (New Queer Cinema). Sem julgamentos o filme mostra a trajetória de dois garotos de programa, sendo explícitos nos temas relacionados à sexo e drogas. Há uma conexão também bastante presente em vários filmes queer com a necessidade de se encontrar, mas sem respostas claras e corretas como Hollywood sempre deu. Aqui a busca é aberta e a estrada ampla.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online, mas está disponível para compra/aluguel na Apple Store e Play Store.

Tatuagem (2013)

(Rec Produtores Associados Ltda./Reprodução)

Numa Recife tomada pela ditadura, um núcleo de pessoas queer desponta como personagens principais de uma narrativa cheia de sexo e desbunde. A bolha deles é livre no amor, nos afetos e na sexualidade. A trupe teatral Chão de Estrelas usa de sua voz para tocar nos pontos que lhes interessam com deboche e nudez, mostrando um lado do Brasil que é normalmente ignorado pelos conservadores, mas existe e é repudiado nesta terra desde a colonização: o da sexualidade livre, do carnaval e dos afetos.

  • Assista ao filme agora mesmo na Netflix.

Dor e Glória (2019)

(Canal+, Ciné+/Reprodução)

Almodóvar já é bastante conhecido por suas figuras icônicas LGBTQIA+ em seus filmes, e em várias de suas obras essas personagens têm momentos bastante queers. No entanto, em Dor e Glória a narrativa se dá em torno de um personagem gay e idoso, que tem problemas com a falta de sentido para a vida em seu momento atual. A velhice o consome psicologicamente e fisicamente e ele aos poucos se lembra de dinâmicas do desejo sexual que o fizeram se sentir mais vivo na juventude.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online, mas está disponível para compra/aluguel na Apple Store, Play Store e Claro Video.

O Menino e o Vento (1967)

(Portal Brasileiro de Cinema/Reprodução)

O Menino e o Vento se localiza e questiona o ambiente punitivista das cidades interioranas brasileiras, que sem provas colocam um jovem contra a justiça o acusando de assassinato. Os desdobramentos do caso revelam uma conspiração em que a cidade na realidade julga a homossexualidade do protagonista, que contra tudo e todos se coloca como uma pessoa dissidente, ou como ele mesmo diz em seu discurso, “anormal”, tomando para si o discurso queer e se apropria nele. O filme ainda aproveita para explorar um pouco de realismo fantástico.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online, mas há uma cópia sem direitos autorais no YouTube.

Mistérios da Carne (2004)

(Antidote Films/Reprodução)

Muitos temas polêmicos num mesmo filme que ainda assim são abordados de maneira muito empática e vagarosamente criam um efeito catártico no espectador devido ao acúmulo de informações sensíveis. Sendo gráficos ou diretos, mas sabendo também onde está o limite, o filme tenta lidar com a complexidade do trauma, suas implicações, dificuldades e aceitação dos ocorridos. Para pessoas higienistas o filme seria muito abjeto, porém o cinema queer propõe justamente superar os tabus e neste caso, a sinceridade é crucial.

  • Assista ao filme agora mesmo no Mubi.

Madame Satã (2002)

(IMDB/Reprodução)

Um dos métodos de filmes higienistas é do uso de narrativas “exemplares”, de pessoas que são “modelos” para evitar o ataque de pessoas heterossexuais cisgêneras a questões que têm raízes nos seus preconceitos. Mas aqui a personagem LGBTQIA+ está longe de ser um modelo, ao mesmo tempo em que está longe de não ser icônica. Madame Satã conta a história de uma malandra (ou talvez ume — não há uma separação clara de gênero aqui pois a discussão nos anos 30 não era tão avançada), com um caráter bastante questionável, mas com uma história lendária para as ruas do Rio de Janeiro e de grande importância para a comunidade.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online.

It’s a Sin (2021)

(Channel 4/Reprodução)

Russel T. Davies, roteirista de Queer as a Folk e Doctor Who, sempre trouxe a possibilidade de narrar personagens e histórias queer. De algum modo ele sempre expôs as contradições entre gênero e sexualidade sem higienização ou romantização pura, mostrando um pouco de tudo da visão de mundo queer. Em It’s a Sin ele aponta a negligência de um estado tomado pelo neoliberalismo que deixava pessoas queers com HIV+ a própria sorte, bichas também de direita apoiadoras da Tatcher e um universo gay bastante sexual que aos poucos é destruído pela doença.

Mesmo assim os teóricos queer falam em seus escritos sobre este terrorismo conservador que faz a vítima ser culpada e não a doença – que pode surgir de várias formas e deve ser combatida. O último episódio ainda tem um discurso sobre sexo bastante condensado sobre o ponto de vista queer: um jovem gay no leito de morte ao lado de pais conservadores ao contar sobre o sexo que fez diz apenas “foi tão divertido.”

  • Assista a série agora mesmo no HBO Max.

Seguindo Todos os Protocolos (2022)

(Vitrine Filmes/Reprodução)

Por falar em doença viral a nível mundial, como a covid-19 afetou a sua sexualidade? No filme Seguindo Todos os Protocolos, a sexualidade e a pandemia do coronavírus são vistos de forma leve — dentro do possível — fazendo refletir sobre a necessidade de toque, sexo e contato humano para gays principalmente. Com um protagonista fora do padrão de beleza, também com atitudes fora do padrão, os afetos fazem rir, chorar e trazem leveza a execução cotidiana da sexualidade, tanto para pessoas nas mesmas situações de quarentena quanto fora destes estados de exceção.

  • Assista ao filme agora mesmo no Claro TV+.

Tangerine (2015)

(Freestyle Picture Company/Reprodução)

Sem o algum tom educativo como muitas das obras que retratam problemas sociais ou situações extremas da vida humana, Tangerine fala sem muito pudor de mulheres trans prostitutas nos EUA, se passando num tipo específico de marginalização. No filme a protagonista descobre que seu namorado está a traindo e a caçada da amante se torna tema da noite de véspera de natal. As bizarrices que ocorrem deste lado da comunidade LGBT normalmente são excluídas ao serem pensadas para pessoas hétero-cis, mas aqui geram risadas, reflexões e são vistas, de maneira muito característica, espontânea e frenética.

  • Assista ao filme agora mesmo no Mubi.

O Funeral das Rosas (1969)

(Agrund/Reprodução)

Toshio Matsumoto, filma nos anos 1960 uma das principais obras da nouvelle vague japonesa, uma nova onda de cinema de vanguardas à época que questiona o lugar do Japão num processo de globalização pós-guerra. A noite LGBT se torna central nesta obra específica, mistura documentário e ficção, cinema e metalinguagem se convergem na exposição e imperfeição do que é ser gay, trans ou qualquer definição entre estes na noite de Tóquio.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online.

Appropriate Behavior (2015)

(MUBI/Reprodução)

Ao falar da experiência bissexual, Desiree Akhavan fala um pouco do que viveu e coloca questões fundamentais à bissexualidade e como frequentemente há crises identitárias entre mundos que essas pessoas irão frequentar em sua vida. Ela expõe como nunca parece ser suficiente viver entre mundos onde as pessoas esperam que ela seja monossexual e como não há normas definidas para ser bi, o que aparenta ser diferente para gays e lésbicas. Ao invés de limitar o mundo bi a histórias de amor, a diretora foca em términos e possíveis motivações que os fizeram se encaminhar a isto.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online.

Pink Flamingos (1972)

(Dreamland/Reprodução)

Na base do exagero, John Waters ficcionaliza um alter ego para Divine, drag queen influente na cena americana nos anos 1970 e 1980. Nela Babs Johnson e sua família ostentam o título de “pessoas mais imundas do mundo”. E durante o filme seu império do horror é ameaçado por um casal, o que faz os dois grupos competirem para provar quem é o mais nojento de todos. Não há nada mais queer do que ignorar possíveis reações negativas da sociedade, e este é Pink Flamingos, tendo cenas de voyeurismo, sexo explícito, masturbação, incesto e canibalismo.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online.

Ratos de Praia (2017)

(Time Out/Reprodução)

Cheio de sensualidade e de uma certa adoração a corpos, o filme explora o desejo aflorando em locais não muito propícios a isto. O protagonista Frankie, cercado por um universo heterossexual e até tendo uma possível namorada, começa a sentir desejos por homens e se encontra com eles. Não há uma jornada comumente esperada por produções adolescentes da Netflix aqui: ser bissexual somente não o leva a grandes lugares nem a necessidade de se assumir naquele ambiente. Saímos do filme tão perdidos quanto ele, e sinceramente, algumas coisas não precisam de reposta pronta.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online.

The Watermelon Woman (1996)

(First Run Features/Reprodução)

A protagonista Cheryl trabalha numa videolocadora, ao mesmo tempo em que tenta se bancar como artista e fazer um filme sobre uma atriz negra nos anos 1930 de Hollywood, conhecida por interpretar o estereótipo racista de “Mammy” à época. As situações queer se encontram na já estabelecida comunidade, principalmente ao falar de lésbicas negras e a coletividade, rodeadas de saraus, coletivos e encontros. Drama e comédia se misturam com crítica social e a importância deste filme o consagra como uma das maiores obras queer do período.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online.

Heartstone (2016)

(SF Studios/Reprodução)

Aqui o subtexto queer vem da maneira mais triste possível: um menino que pouco se encaixa numa comunidade no interior da Islândia é constantemente reprimido pelo olhar e atitudes das outras pessoas. Num primeiro momento isso parece uma situação bastante comum no mundo hétero, mas quando outras crianças de sua idade desconfiam que ele está apaixonado pelo melhor amigo não há mais liberdade nem paz para ele, pois a ideia da existência dessa situação se torna inconcebível para os outros antes que ele mesmo possa ter algum senso do que está acontecendo.

  • Infelizmente, esse filme não está disponível para ser visto online.

We Are Who We Are (2020)

(HBO/Reprodução)

Apesar de chamar a atenção em narrativas fílmicas, a dissociação da narrativa clássica em séries de TV ainda é muito pouco explorada e normalmente causa incômodo nos espectadores ao verem pouca evolução de um ponto X a outro lugar Y. Em We Are Who We Are temos algumas sucessões de aleatoriedades por parte dos personagens e várias situações que não chegam a lugar nenhum, como em vários filmes queer.

A história, no entanto, se desenrola de uma forma tão aconchegante que os plots sem resolução não me incomodam. Os que têm algum tipo de reflexão me conquistaram a cada epísódio e o gênero e a sexualidade aqui não têm definições fixas, os personagens têm caráter dúbio e as alegorias artísticas acontecem o tempo todo.

  • Assista a série agora mesmo no HBO Max.

Corpo Elétrico (2017)

(Canal Brasil/Reprodução)

A vida de gays de classe média é comumente tratada em filmes de romance LGBT e comédias roimânticas, justamente para não ter que lidar com questões de classe e deixar o filme supostamente “leve”. Mas em Corpo Elétrico, ser de classes mais baixas deixa os LGBTs apenas soltos para serem eles mesmos, transarem com quem quiserem e criarem sua própria comunidade. Com Linn da Quebrada e Márcia Pantera atuando quase como elas mesmas, as transas, os afetos e o cotidiano de trabalhadores queer é apenas um dia após o outro neste filme.

  • Assista agora ao filme no Itaú Cultural Play, ou como compra/aluguel na Apple Store e Play Store.

Vento Seco (2020)

(Olhar Distribuição/Reprodução)

Quase como pornô chic, Vento Seco bebe de referências pornográficas intensas, conhecidas, novas e antigas. O filme cria um universo onde os fetiches, sexo e desejos ganham vazão numa realidade quase de sonho. É importante ressaltar quão necessários esses tipos de filmes são para a liberdade sexual em seu maior extremo, comumente negados por pessoas com pensamentos assimilacionistas: respire, relaxe e goze. O intuito é que você sinta tesão mesmo (e muitas outras coisas), deixe este filme te tocar.

  • Assista ao filme agora mesmo no Globoplay.

Veneno (2020)

(Atres Media/Reprodução)

Biografias normalmente gostam de contar uma versão romantizada dos fatos, mas para Cristina La Veneno isso seria ultrajante. Poder falar sobre a vida dela é contar sobre os altos e baixos de uma travesti sempre à margem da sociedade, com muito tesão e afetos de qualidade duvidosa. Cristina conquista corações sendo espontânea na televisão e na série também. A maneira como ela é desbocada reflete um estado de vivência, comum à muitas mulheres trans, e sua família (não a de sangue) que foi aos poucos conquistada também é tão imperfeita quanto ela.

  • Assista a série agora mesmo no HBO Max.

Moonlight – Sob a Luz do Luar (2016)

(A24/Reprodução)

Este aqui talvez levante questionamentos por não se tratar daquele tipo de obra queer que “quebra tudo”. Não há um grande furdunço nem grande exposição de sexo, sexualidade e quebra de normas. Barry Jenkins se coloca na posição de um “paizão amoroso” ao transmitir perfeitamente ao público o todo de empatia que este deveria ter por um gay pobre e de periferia americana. As situações não são simples, mas principalmente o personagem Juan, ensina ao protagonista aos poucos certas questões que ele não deveria temer, como os julgamentos e os estranhamentos que os outros têm diante da situação dele. É importante também para a teoria queer, o quanto o meio e a comunidade não estão dissociados da formação de identidades.

Estas são apenas algumas produções que podem dar um melhor norte para quem começa a se interessar por cinema queer. Nenhum dos citados é sempre visto como necessariamente queer e as leituras podem mudar de teórico para teórico, o que foi exposto aqui é minha interpretação sobre a visão de mundo de cada um deles.

  • Assista ao filme agora mesmo no HBO Max.
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Estudante de Cinema e Audiovisual em formação, "sériéfilo" por consequência, entusiasta de efeitos visuais e crente no poder de transformação social através das artes.