Talvez Uma História de Amor? Uma crítica à falta de brasilidade na comédia romântica brasileira
Filme com Mateus Solano e grande elenco está disponível no HBO Max
Publicado em 8 de agosto de 2022, por Matheus Rocha • Artigos, CinemaDisponível no catálogo brasileiro do HBO Max recentemente, a comédia romântica Talvez Uma História de Amor, lançada nos cinemas em 2018, coloca o público para refletir sobre o gênero em questão praticado neste país de forma indireta. Isso ocorre por conta da construção narrativa e estilística do longa-metragem, que foi bastante criticado pelos espectadores em portais como Letterboxd e IMDb pela falta de brasilidade apresentada pela obra. Assim, algumas considerações sobre a produção desse tipo de filme com relação ao mercado internacional são postas em evidência, ainda que, em linhas gerais, trate-se de um bom projeto audiovisual, com desenvolvimento cativante em todos os sentidos.
Na trama, o público conhece Virgílio (interpretado por Mateus Solano), cuja personalidade é desenvolvida de forma muito ágil pelo roteiro, direção de arte, trilha sonora e direção de elenco nos primeiros minutos de projeção. O homem, que trabalha como publicitário, é um ser metódico, cujas mudanças tecnológicas não são bem-vindas em sua rotina. Assim, o personagem ainda utiliza aparelhos eletrônicos de décadas passadas, incluindo uma secretária eletrônica, responsável por lhe dar um recado bastante importante: sua namorada Clara quer se separar. Em certa manhã, Virgílio acorda e, enquanto prepara seu café, ouve esse recado repetidas vezes para entender o que estava acontecendo, justamente, porque ele não se lembra quem é Clara. A partir desse ponto, com muito desconforto e determinadas percepções que atingem seu redor, ele vai em direção ao consultório de sua psiquiatra (vivida por Totia Meirelles).

(Warner Bros. Pictures/Reprodução)
Os dois tentam chegar a uma conclusão sobre o que Virgílio estaria passando, até que há a sugestão de, pelo esquecimento, reviver sua própria história a fim de encontrar Clara, uma pessoa que, aparentemente, havia sido muito importante para ele mesmo. Assim, o personagem começa sua busca encontrando-se com algumas amigas de Clara que o conheciam muito bem. Entre elas, há mulheres que já tiveram interesse afetivo por Virgílio, mas que desistiram dele em vista à sua condição metódica, controladora e sem mudanças efetivas. A maioria delas, apesar de considerá-lo muito atraente, percebe que não seguirem envolvidas romanticamente com o rapaz foi algo benefício para suas vidas. Essas palavras acabam ferindo Virgílio, que, aos poucos, começa a indagar a si mesmo sobre o que teria feito à Clara para que ela quisesse se separar.
Dentro desse contexto, é possível destacar ainda duas coisas importantes no filme que mostram como esse personagem foi afetado consideravelmente pela decisão de rompimento. A primeira delas refere-se ao exame de neurologia que ele decide fazer para entender como poderia ter esquecido uma pessoa tão importante. No entanto, na sala de espera, um dos pacientes lhe provoca medo sobre o resultado e, antes mesmo que pudesse ser atendido pelas enfermeiras, sai correndo com algum receio da possível notícia de morte. Assim, Virgílio entende que tem poucos meses de vida e resolve se desfazer de todas as coisas, incluindo a energia elétrica e o fornecimento de água de seu apartamento.
Com isso, ele se conecta com a segunda coisa importante, no caso, a vizinha Katy (Bianca Comparato). Pelo fato dessa personagem ser totalmente o oposto de Virgílio, cuja bagunça evidente provoca inúmeros desconfortos nele, a sensação que fica é de que Clara não existe efetivamente e que Katy e o protagonista ficarão juntos no final, sobretudo para trazer uma lição a ele. Mas não é isso que acontece, até mesmo com a intenção do roteiro em fugir de clichês. No entanto, esses fatores fazem com que os clichês só aumentem à medida em que a busca de Virgílio vai chegando ao final. Com a ajuda de Katy, ele percebe que precisa viajar até Nova York para reconquistar o grande amor de sua vida, um amor que o personagem não se lembra mais do próprio rosto.

(Warner Bros. Pictures/Reprodução)
A partir desse ponto, as referências colocadas anteriormente fazem mais sentido e Virgílio parte à Nova York, chegando à Times Square e deixando um recado para Clara. Assim, os dois se reencontram em Manhattan e discutem o sentido daquela relação: a personagem decidiu ir embora em busca de sua própria felicidade que, motivada pela falta de interesse em mudanças de Virgílio, não era possível de se concretizar. Mas ele percebe que precisa mudar e os dois, apaixonados novamente, decidem ficar unidos. Então, o filme termina com Virgílio acordando e ouvindo o início do recado deixado por Clara na secretária eletrônica. Ele se desespera. Mas ao continuar escutando percebe que está em Nova York, vivendo ao lado da mulher que ama.
Comparações inevitáveis com Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, de 2004, são inevitáveis, justamente pelo tom de realismo mágico que a trama absorve. Com isso, o longa-metragem trabalha com uma estética bastante colorida, mas ainda veste seu protagonista com tons neutros para mostrá-lo como um ser aversivo à mudanças. Assim, a produção caminha para pasteurizar, de certa maneira, a cidade de São Paulo, higienizando diversos pontos da cidade e deixando-a com uma cara mais internacional; se ninguém falasse, poderiam dizer seriamente que trata-se de qualquer outro lugar no mundo, incluindo a própria Nova York. A trilha sonora também representa um desejo mais incisivo de explorar referências distantes do Brasil, como o cachorro de Katy que só se acalma quando escuta Frank Sinatra.
Com algum esforço, certas decisões criativas poderiam facilmente se transformar para aproximar os personagens do local em que eles vivem. No entanto, é preciso destacar que, a decisão artística, provavelmente, estava mais interessada em conquistar o público pelo que já se conhece sobre as comédias românticas ou ainda vender a produção com mais facilidade ao mercado internacional. Esses pensamentos são válidos, sobretudo, quando se pensa na cinematografia brasileira centrada nesse estilo fílmico. Longas-metragens como Pequeno Dicionário Amoroso (1998) e De Onde Eu Te Vejo (2016), por exemplo, trabalham com elementos do gênero em questão, mas ainda conseguem se aproximar mais da identidade brasileira, criando laços efetivos com o que podemos chamar de brasilidade.
Assim, Talvez Uma História de Amor peca por ser bonitinha demais, esquecendo-se do que poderia representar. São mudanças sutis, mas que Virgílio não gostaria, que acabam fazendo toda a diferença.