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Com Timothée Chalamet, Até os Ossos inova ao falar de canibalismo (Crítica)

Em Até os Ossos, o cineasta Luca Guadagnino traz um pouco de humanidade para os canibais

Publicado em 22 de novembro de 2022, por Críticas

É engraçado pensar que um pouco tempo antes da divulgação da produção de Até os Ossos (Bones and All, no original), de Luca Guadagnino, um certo ator envolvido inicialmente foi acusado de canibalismo, justo a temática do filme. Apesar dele não estar no longa-metragem, seu colega de elenco se tornou um dos protagonistas, no caso Timothée Chalamet. Já a protagonista de Taylor Russel, porém, é que possui uma maior importância, como se o filme fosse sobre a vida dela.

Na narrativa, Maren Yearly (Russell) é uma jovem que, a princípio, é apresentada como tendo um pai muito rígido. Contudo, quando sua amiga Janelle (Chloe Sevigny) a convida para dormir em sua casa, Maren pensa sobre furar os protocolos da residência. As primeiras tensões são construídas a partir disso, com os espectadores se perguntando a todo instante o porquê de existir uma relação tão restrita entre pai e filha. Durante o encontro com a amiga, Maren e ela tem momentos muito íntimos, há uma certa tensão sexual nas conversas.

A protagonista, que parece estar hipnotizada com o corpo de Janelle, morde um dos dedos da amiga. É a partir disso que se percebe o que ela realmente tem dentro de si e que as preocupações de seu pai não eram em vão. Ao voltar correndo para casa, seu pai alerta que os dois têm apenas três minutos para fugirem dali. Depois dessa cena, já dá até para se imaginar como seguirá o filme. Pois bem, um tanto gráfico.

Eu acho que eu vi até o osso do dedo nessa cena, mas não tenho certeza, me pegou tão despreparada que pode ser carne e esteja imaginando coisas. Até porque fui ver o filme sem ver o trailer, recomendo, a experiência é outra, tudo na surpresa.

Mergulhamos na história com a procura de Mauren por sua mãe, mas no meio tempo até isso acontecer, nos deparamos com histórias secundárias. Uma delas consiste no romance que Maren tem com Lee (Timothée Chalamet) e uns encontros de dar calafrios de agônia com Sully (interpretado por Mark Rylance). Sully ensina Maren algumas coisas que sabe sobre ser um Devorador, como chamam os canibais no filme, inclusive como sentir o cheiro de outro Devorador para reconhecer seu semelhante.

Por Sully sempre se autoreferenciar na terceira pessoa, facilmente há muitos incomodos sobre a figura dele, que não só o espectadores podem sentir, mas também Maren, tanto que ela decide trilhar seu caminho sem ele, mesmo com uma proposta de seguirem juntos e ele a ensinar mais sobre ser um Devorador. Dessa forma, Maren esbarra em Lee, e de um jeito um tanto quanto estranho até que passam a ficar juntos.

O seu romance começa sem alardes, porém é algo compreensível até porque trata-se de duas pessoas iguais em um mundo no qual não existem muito deles. Então, a empatia faz crescer um carinho, até que o romance surja. Nesta jornada com Lee, ele também ensina coisas a Maren, mas do mundo, apresentando Kiss para ela e como usufruir dos pertences das pessoas que devoram a favor deles — mas sempre sem criar raízes, algo momentâneo.

Os acontecimentos do filme, algumas vezes, parecem um pouco fragmentados entre si, porém a tensão estabelecida se prolonga do começo ao fim. É algo que o diretor consegue fazer com maestria, deixando o público totalmente intrigado com a história peculiar, bem como as tensões criadas em tornos dos perigos presentes na narrativa. A estética do filme é claramente dos anos 1980 e os figurinos não parecem ter sido os melhores entre as combinações, soando um pouco estranhas em diversos instantes. Contudo, tudo isso condiz com os personagens que são nômades e estão só coletando itens de suas vítimas.

(United Artists/Reprodução)

Há momentos em que o trabalho de fotografia é incrível, pois há uma viagem pelo interior dos Estados Unidos. Dessa maneira, há diversos enquadramentos amplos com luz baixa e campos com vista para o por do sol, causando uma cena de introspecção grande. Guadagnino alterna entre momentos de hiper-vigilância e de reflexão que deixa o o clima em um terror dramático. Conforme o currículo do cineasta, sabe-se que ele é capaz de trabalhar com elementos contrastantes de forma bela, visto seu último filme, Me chame pelo seu nome (2017), e aqui ele não deixa a desejar. Mesmo trazendo a temática do canibalismo para o filme, o longa não é só sobre isso, mas também sobre conseguir conviver harmoniosamente com o que se tem para si e sobreviver sem culpa.

Apesar de ser um projeto bastante gráfico quando acontecem as mortes, não há nada em excesso. Trata-se do suficiente para se ver e não ficar em um terror gore. O diretor sabe o que está fazendo e traz uma beleza iminente para o seu filme utilizando-se de belas paisagens que o ajudam a aliviar o teor geral da produção. Com atuações muito boas, de todos, inclusive de Michael Stuhlbarg, apesar do pouco tempo de tela, sua performance possui uma potência muito grande. Nesse contexto, vale destacar que, recentemente, Taylor Russel ganhou um prêmio de Melhor Atriz ou Ator Jovem e o filme ganhou o Leão de Prata com melhor Direção, ambos no Festival de Veneza.

Até os Ossos
Bones and All
2022
Luca Guadagnino
David Kajganich
Warner Bros. Pictures

Nota: 4.5

Nota: 4.5

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Amo música, cinema, artes visuais e cores. Gosto de descansar vendo filmes e, as vezes, isso acaba cansando também. Sou graduada de Cinema e Audiovisual.