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Ela Disse apresenta investigação jornalística com doses documentais (Crítica)

Jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey, do prestigiado The New York Times, protagonizam investigação que trouxe à tona os crimes de Harvey Weinstein

Publicado em 8 de dezembro de 2022, por Críticas

Em junho de 1961, Jacques Rivette publicou um texto bastante importante para a comunidade cinematográfica falando sobre uma cena abjeta em um filme sobre a Segunda Guerra Mundial. De lá para cá, lidar com questões abjetas ainda parece ser um tabu em inúmeras instâncias, sobretudo com a exposição de figuras públicas. Então, começo a crítica de Ela Disse (She Said, no original) justamente pela postura de Maria Schrader ao lidar com Harvey Weinstein, acusado (e posteriormente condenado) de assédio sexual e estupro por inúmeras profissionais, entre atrizes, assistentes, etc. 

No longa-metragem, baseado no livro de mesmo nome publicado pelas jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey, do prestigiado The New York Times, interpretadas respectivamente por Zoe Kazan e Carey Mulligan, o público acompanha o interesse de ambas na investigação de denúncias a Weinstein na indústria hollywoodiana. 

Aos poucos, o roteiro entrelaça a vida pessoal de Kantor e Twohey, que passam por momentos turbulentos em suas rotinas, junto do caminho percorrido em busca de informações que tragam evidências concretas à almejada publicação sobre os casos polêmicos que envolvem o nome do ex-produtor de diversos filmes sob a titularidade da Miramax e outras empresas.

Ambientado entre 2016 e 2017, a narrativa explora o cuidado que as jornalistas tiveram em levantar suas hipóteses para entender como tudo havia acontecido, inicialmente, apenas nos anos 1990. Porém, conforme as informações são obtidas, elas percebem que precisam lidar com algo muito maior e até mesmo mais recente.

Recheado de alguma tensão, a direção de Schrader consegue potencializar seu material, fazendo até mesmo com que fato e ficção se misturem em determinadas passagens. Desse modo, é como se a cineasta estivesse disposta a confundir os espectadores com uma espécie de documentário. Afinal, existem diversos momentos do filme que focam em relatos pessoais, muitas vezes sem a presença física dos intérpretes.

Em sua primeira metade, Ela Disse invoca a presença espiritual de muitas testemunhas e vítimas. As protagonistas, muitas vezes, interagem com dispositivos eletrônicos — seja em ligações telefônicas ou videochamadas. Nesse sentido, a ambientação parece tímida, mas tudo é compreensível, visando uma construção simplificada e crescente em torno do caso.

Mas muitas delas parecem não funcionar e a diretora opta por divagar em imagens que, nesses momentos, não condizem com a ação. Na montagem, há confusão entre o que é apresentado em termos sonoros e visuais. Aliás, esse aspecto não consegue fornecer eficiência em outras linhas narrativas, deixando o longa-metragem sem “liga”. 

Em encontros presenciais da personagem de Kazan, nota-se como seu destaque é maior. Apesar da Megan de Mulligan ter bons momentos em cena, boa parte das ações é realizada por Jodi. E até mesmo na exploração dos momentos pessoais de ambas as jornalistas, essa última é quem parece ser mais interessante e ter algo a acrescentar à trama. 

Inclusive, ao final de um desses encontros presenciais, há a criação de um momento tenso que poderia soar previsível ao público, mas que apenas serve para dinamizar a ideia de que “ele sabe o que vocês estão fazendo”. Dentro desse contexto, o foreshadowing é eficiente para ligar a causa com o efeito e relembrar o público de determinadas questões importantes.

Ainda assim, Ela Disse parece querer se desvincular de certas responsabilidades, talvez temendo algumas retaliações. E a abordagem na apresentação visual de Weinstein se torna menos impactante. Porém, é notável como a cineasta faz uso de determinados artifícios para confrontá-lo — é uma figura abjeta, não podemos nos esquecer.

De maneira ampla, é possível pensar em linhas alternativas que soariam mais consistentes. A primeira delas diz respeito à realização dessa produção em um futuro mais distante, no qual seria possível lidar melhor com boa parte das questões tendo distanciamento. A segunda é sobre a realização de um documentário. 

Embora os outros personagens não tenham tanta profundidade quanto as duas protagonistas, o elenco é eficiente, entregando bons momentos em cena. Destaque para Samantha Morton como Zelda Perkins, Jennifer Ehle como Laura Madden, Andre Braugher como Dean Baquet, Patricia Clarkson como Rebecca Corbett e Zach Grenier como Irvin Reiter.

Quando Ashley Judd, vivida por ela mesma, decide autorizar uma declaração pública à matéria de Megan e Jodi, um momento emocionante é criado, sobretudo para espectadores mais envolvidos com a narrativa. Afinal, “Ela Disse” sim. E aquilo seria muito importante, conforme o tempo mostrou ao mundo.

Ela Disse
She Said
2022
Maria Schrader
Rebecca Lenkiewicz
Universal Studios

Nota: 3.5

Nota: 3.5

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Escritor por vocação, acadêmico por forçação de barra e apaixonado por televisão desde que Chaves começou a ser exibido no SBT. Graduando em Cinema e Audiovisual que ainda acredita em um encontro inesperado com Hayao Miyazaki.