Em Amor, Sublime Amor, Spielberg cria uma experiência nostálgica e única (Crítica)
Para além do remake óbvio, o West Side Story de 2021 traz Romeu e Julieta para o século 21
Publicado em 21 de março de 2022, por Victor Hugo de Paula • Críticas, Oscar 2022Para quem acompanha o Oscar há alguns anos, sabe muito bem que a Academia tem alguns padrões nas suas listas de indicados. Um deles, é o “filme que homenageia a história do cinema”. Bem metalinguístico, é claro, e perfeitamente conveniente e coerente com a proposta da premiação certo? Não é difícil listar algumas produções que foram indicadas nos últimos anos e que se encaixam nessa categoria: La La Land (2016), O Artista (2011), A Invenção de Hugo Cabret (2011) e por aí vai.
Então não é de se surpreender que alguém, um pouco desatento talvez, diga que esse é o caso de Amor, Sublime Amor, dirigido por Steven Spielberg e roteirizado por Tony Kushner – baseado no musical escrito por Arthur Laurents, em 1957. Realmente, não seria um erro tão grotesco assim, já que se trata um remake de um clássico dos musicais lançado em 1961 dirigido por Jerome Robbins e Robert Wise, amado pela crítica e com um merchan social bem original para sua época. Mas há aqui características que tornam esse West Side Story (o título original), de 2021, algo um pouco maior. É um filme apaixonado.
É importante salientar que essa é mais uma das diversas versões revisionistas de Romeu e Julieta e possui um enredo bem simples: tendo como plano de fundo um bairro no lado oeste da ilha de Manhattan em Nova Iorque – o que dá origem ao título original – no final dos anos 1950, duas gangues se enfrentam: os Jets, representação da clássica white trash estadunidense e seus filhos de imigrantes europeus com famílias disfuncionais; e os Sharks, representando os porto-riquenhos, aqueles que dão vida ao bairro com seus empreendimentos comerciais. Não preciso dizer que é muito mais fácil, para nós brasileiros pelo menos, torcer pelos Sharks nesse embate não é mesmo?

(20th Century Studios / Reprodução)
Pois bem, as coisas se complicam um pouco, quando conhecemos Tony – interpretado de forma competente por Ansel Elgort –, um rapaz de origem polaca e que foi um dos fundadores dos Jets. Após passar um tempo na prisão, resolve reconstruir a sua vida, ficar longe das brigas de gangues e aproveitar a oportunidade de trabalhar em uma mercearia comandada por Valentina (Rita Moreno – parte do elenco original do filme de 1961). Incentivado pelo atual líder dos Jets e seu grande amigo Riff (Mike Faist), Tony vai a uma competição de dança, que na verdade não passa de mais uma desculpa para que as duas gangues se enfrentem. E é nesse baile em que ele conhece María (Rachel Zegler), a irmã de Bernardo (David Alvarez) e o líder dos Sharks.
Justamente aqui é que temos a primeira possibilidade de conflito do público com essa obra, já que uma das escolhas de Spielberg em sua concepção foi justamente a de não alterar essencialmente o argumento original da história. Além disso não foram retiradas e nem acrescentadas músicas novas ao filme. Então como é possível transpor uma história da longínqua década de 1950 – conhecida justamente pelo moralismo e pela hipocrisia do “american way of life” – para os dias atuais? Pois é justamente com a originalidade do roteiro que essa obra consegue fazer o seu maior feito: nos transportar a uma época em que nunca vivemos. E deixo claro aqui, que não se trata de um tipo de nostalgia muito comum há algumas camadas de nossa sociedade contemporânea em dizer “ah.. como era bom no meu tempo!”. Não, o West Side Story de Spielberg é totalmente consciente dos absurdos da época em que a história se passa, e mostra parte disso justamente para não possibilitar que espectadores mal avisados idealizem aquilo tudo.

(20th Century Studios / Reprodução)
O foco aqui está justamente na beleza de uma história, que assim como Romeu e Julieta, é atemporal. Os elementos técnicos como a direção de arte, a trilha instrumental, a fotografia com seu uso de luzes estouradas que nos remetem aos spots de um palco de teatro, e é claro as coreografias deslumbrantes tornam essa experiência ainda mais imersiva e sedutora. O elenco tem dois destaques que não podem passar despercebidos: o trabalho de Rachel Zegler e especialmente o de Ariana DeBose – que interpreta a namorada de Bernardo e que está indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Ambas são os exemplos perfeitos de artistas completas, que não apenas atuam com uma qualidade técnica impecável, mas também cantam e dançam de forma espetacular. É simplesmente impossível tirar os olhos da tela com a interpretação de Ariana na cena em que toca a canção “America”. Ao mesmo tempo, quando é exigido uma carga dramática mais profunda, ambas as atrizes entregam atuações primorosas.
Contemplando pautas sociais que passam pela gentrificação, o racismo, xenofobia e até mesmo a transfobia – aspecto que salta aos olhos de qualquer um da plateia contemporânea com a atuação poderosa de Iris Menas no papel de Anybodys – esse West Side Story entrega uma experiência digna da era de ouro dos musicais no cinema, sem perder a capacidade de tratar desses assuntos que eram problemáticos no passado, mas parece que nossa sociedade é incapaz de avançar. A indicação à 7 categorias do Oscar, inclusive a de Melhor Filme é um reconhecimento a altura da realização que esse filme se propõe, e entrega com maestria.

Nota: 4.5
