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Jennifer Lopez tenta ser maioral em Halftime, mas força uma relevância artística (Crítica)

Em documentário que deveria ser intimista, Jennifer Lopez esquece que existe um mundo exterior e se torna a protagonista do planeta

Publicado em 16 de junho de 2022, por Críticas

Ontem assisti ao documentário de Jennifer Lopez para a Netflix, o já polêmico Halftime, que traz um breve resumo da vida da artista até o seu maior momento perante o público: o show do intervalo no Super Bowl 2020. Quando digo que a produção, lançada no último dia 14, já nasceu polêmica, muito é pelas falas — absolutamente ensaiadas — sobre dividir o “seu momento” com a maior cantora latina de todos os tempos, Shakira.

De cara, os primeiros minutos do documentário deixam claro o furor que J-Lo tem em se enaltecer, tentando provar desde o início que é uma figura reconhecida e que merece ser respeitada. Mas, ao longo do filme, a narrativa se torna apenas um desejo e perde a força, fazendo com que tudo se torne um apanhado de baboseiras egóicas.

Antes de continuar, quero deixar claro minha indignação para os mais de 80% de aprovação do documentário no Rotten Tomatoes. Me pergunto se os críticos assistiram a mesma produção que eu…

Quero ser artista — mas me tornei um produto. E agora?

“Halftime”, produção dirigida por Amanda Micheli, apresenta a trajetória de Jennifer Lopez até o estrelato, mostrando sua relação familiar (de forma absurdamente rasa), seu início na dança e, posteriormente, na atuação, só então partindo para sua carreira musical. A estrela, que marcou seu nome ao representar a cantora Selena Quintanilla no filme biográfico Selena, mostra que, após um início explosivo; tanto no cinema quanto na música, viu sua carreira esfriar de maneira progressiva. Porém, sempre reforçando o quão artista ela é — e o quão desvalorizada ela sempre foi na indústria, segundo a mesma.

Após uma (nada breve) sessão de amor próprio e vício em si mesma, a nova-iorquina passa a trazer a narrativa do documentário para o famigerado Super Bowl LIV Halftime Show, do qual foi uma das estrelas há dois anos. E esse detalhe incomodou MUITO sua equipe, seus empresários e ela mesma.

Em uma das passagens, Jennifer Lopez afirma com todas as letras que “dividir o Super Bowl entre duas artistas foi a pior ideia do mundo” — aqui deixarei um achismo: ela deve ter ensaiado taaaaantas vezes essa fala, que ficou menos orgânica que os efeitos especiais de Anaconda (1997). Assistam e tirem suas conclusões.

Em paralelo à aversão por não ter holofotes só para si no evento da NFL, a ex-jurada do American Idol traz para a luz seu último grande sucesso no cinema, o filme Hustlers (em português, As Golpistas), produção que lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro – e uma decepcionante ação negativa da Academia ao ser esnobada pelo Oscar. Tudo nessa introdução de narrativa força o que ela mais deseja passar com essa produção: o desespero em mostrar que é ARTISTA, e não apenas uma figura da mídia.

Ok, Hustlers é um ótimo filme e ela fez, sim, um bom trabalho no longa escrito e dirigido por Lorene Scafaria, que conta com a participação de Cardi B, Lizzo, Keke Palmer, Constance Wu e Lili Reinhart, mas… uma coisa não justifica a outra, J-Lo. Pelo menos, não nesse caso. Inclusive, caso você ainda não tenha visto o filme, assista abaixo o trailer da aclamada produção:

Após mostrar que “seu filme” (ela se refere à produção dessa maneira diversas vezes ao longo do documentário) foi um sucesso de crítica e de público, J-Lo retorna à frustração do Super Bowl. Apesar de uma série de falas equivocadas sobre sua presença estrelar no show, existe uma interessante e necessária deixa sobre a questão imigratória do povo latino nos Estados Unidos, que, segundo a artista, foi sua inspiração para conceber sua parte do evento. Preciso ser justo, inclusive: é inegável a potência e a importância que J-Lo traz, enquanto filha de porto-riquenhos, para sua carreira e para o que seu nome representa mundo afora.

O incômodo fica para a falta de escuta da própria artista para sugestões que ela julgava geniais, como finalizar o show cantando “Born in the U.S.A.“, clássico de Bruce Springsteen, com sua dupla Shakira — que, por sua vez, negou veementemente a ideia, afinal de contas, o óbvio: ela não nasceu nos Estados Unidos, e ela entende que não precisa ser “salva” pelo sonho americano. Aqui é possível sentir a tensão entre as artistas durante a criação em conjunto – e fico do lado de Shakira nessa história. 

A inteção de Jennifer Lopez é a melhor: unir os povos e mostrar que o amor vence o ódio. Mas a utopia do discurso na prática mostra que ela ainda vive em um castelo muito alto e muito distante da realidade dos que tentam obter o mínimo de dignidade ao saírem de suas terras para tentar a vida em outro país. Infelizmente, quem tem consciência de classe, entende que não basta dizer que “love trumps hate”. Ele sim, deveria o fazer, mas o mundo anda nebuloso e cheio de figuras que destroem esse ideal todos os dias, angariando uma fã-base cega que ajuda a endossar essa ideia retrógrada.

Perto do fim da produção são mostradas as cenas de interação entre as artistas nos ensaios, a intervenção da NFL nas ideias estéticas de J-Lo e, principalmente, a fúria que ela tentou conter por receber apenas 6 minutos solo no Super Bowl.

Quando o documentário acaba, fica a sensação de raso, como se algo muito importante não tivesse sido dito. Fica também a questão: Jennifer Lopez tem MUITO a dizer e não consegue ser ouvida ou Jennifer Lopez não tem NADA a dizer e consegue evidenciar apenas a si mesma?

Obviamente eu não entendo a mente de uma estrela mundial da música, da TV e do cinema. Não sei quais são suas vantagens, suas regalias ou suas opiniões mais íntimas, mas sei que ela mostra uma parte bastante viciada em si mesma nessa produção, e tomo por base que, se ela mostra isso, é o que ela deseja que as pessoas vejam. Então, não há como defender com unhas e dentes aquilo que não quer defesa. Na verdade, sinto que ela quer mais brilho, mais holofote, mais prêmios, mais números, mais vendas… mais, mais, mais, entregando muito menos.

Confira abaixo o trailer oficial da produção (e assista com olhos limpos, criando sua própria crítica)!

E aí? Vai dar uma chance?

Jennifer Lopez: Halftime
Jennifer Lopez: Halftime
2022
Amanda Micheli
Amanda Micheli
Netflix

Nota: 1.5

Nota: 1.5

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Apaixonado por cultura pop, literatura, entretenimento e baboseiras úteis. Se Fernanda Young e Katy Perry tivessem tido um filho, seria eu.