Morte Morte Morte banha em sangue a geração Z com humor ácido e crítica pertinente (Crítica)
Satírico e sádico, novo terror da A24 chega aos cinemas brasileiros com selo de qualidade e com a fama de um dos melhores filmes de terror do ano.
Publicado em 7 de outubro de 2022, por João Schiavo • Críticas2022 tem sido um ano de louvor para a A24, produtora queridinha do cinema contemporâneo. Entregando narrativas cativantes e bem amarradas, a produtora só tem a comemorar com os lançamentos recentes, que foram êxito de público e de crítica. Os exemplos X, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, Pearl e Men elevaram a régua na qualidade da sétima arte deste ano, consolidando a A24 como uma das empresas mais visadas do mercado audiovisual, e não seria diferente com o mais recente lançamento, Bodies Bodies Bodies, que em português recebeu o infame título de Morte, Morte, Morte.
Apesar do nome quase tosco, nada no longa se relaciona à bobagens sem nexo. O roteiro, pelo contrário, vai no caminho oposto e surpreende pelas reviravoltas que acontecem do começo ao fim, oferecendo mais um título de terror moderno que vale a pena ser visto. Se você gostou de X e Pearl, esse filme também vai te conquistar, mas de uma forma beeeeem diferente.
Estrelado por Amandla Stenberg (O Ódio que Você Semeia), Maria Bakalova (Borat 2), Myha’la Herrold (Industry), Rachel Sennott (Shiva Baby), Chase Sui Wonders (genera+ion), Pete Davidson (Saturday Night Live) e Lee Pace (Pushing Daisies), o filme retrata um fim de semana entre amigos (ou quase isso) que, para agitar o encontro, decidem jogar ‘bodies bodies bodies’, um game de assassinato onde dois participantes são encarregados de serem os assassinos sem que os outros saibam. Uma espécie de detetive, só que mais sanguinário na teoria.
O que eles não podem imaginar é que, quando as luzes se apagam, a amizade se torna um risco severo, pois entre eles há, de fato, um assassino. E aí é que a coisa começa a ficar boa…

Momentos antes da m*rda acontecer. (A24/Reprodução)
Com um começo levemente arrastado, e até mesmo irritante no jogo de câmera, Morte Morte Morte engrena de fato depois dos primeiros 20 minutos de trama. Aos poucos, as coisas vão entrando nos eixos e o clímax se estabelece sem pausa até os créditos finais. O que começa como uma brincadeira inocente entre amigos extrapola todos os limites e proporciona um banho de sangue sem pudor, sem censura e sem dó. Depois de dado momento, a gente entende que absolutamente ninguém está ileso na história.
Vou tentar fazer essa análise crítica sem dar spoilers, pois o filme precisa ser contemplado no fator surpresa. Qualquer mínima informação sobre o que está por trás desse enredo destruirá toda a experiência enquanto expectador, então, prometo ser cuidadoso com a minha língua de chicote.
Comandado por Halina Reijn (conhecida por Instinto) e roteirizado por Sarah DeLappe, o longa não é apenas um terror muito bem executado, que prende e chega a fazer a gente colocar as mãos sobre a boca em vários momentos: ele é, acima de tudo, uma crítica social extremamente necessária, que coloca em cheque toda a individualidade exacerbada da geração Z. Os smartphones, as telas e as redes sociais são elementos que, ainda que não explícitos, tornam-se primordiais para a eficiência da produção, uma vez que tudo que esse universo representa é interpretado em carne e osso pelos atores.
Regado a egoísmo, modismos, termos sociais e ansiolíticos, Morte Morte Morte resgata a importância do contato para além do virtual, e joga na cara de toda uma geração que a idiotice não merece prêmios. Pelo contrário, pode colocar absolutamente tudo a perder. Afinal de contas, nós realmente conhecemos alguém pelas redes sociais? Ou conhecemos aquilo que a pessoa deseja mostrar?
Dentro do seu celular, quem comanda a narrativa que deseja expor é você. E fora dele, sob pressão, com situações que te exigem posicionamento e agilidade, como as coisas ficam? A cada minuto que passa, o filme prova que nenhum filtro pode salvar aquelas jovens da situação que elas mesmas se enfiaram.

Sangue, suor e iPhones: elementos essenciais em Morte Morte Morte. (A24/Reprodução)
Na premissa inicial, Amanda Stenberg interpreta a jovem Sophie, que acabou de sair da reabilitação e é anfitriã desse encontro. Para a ocasião, ela chama sua nova namorada, Bee (Maria Bakalova), para conhecer seus amigos. Junto delas, Alice, interpretada por Rachel Sennott, também traz o novo namorado, que está com ela há menos de um mês. O restante do grupo de amigos se conhece há tempos, mas, aos poucos, as rusgas e as questões mal resolvidas dessa convivência começam a pesar, junto ao fato de duas pessoas desconhecidas estarem no recinto. Um prato cheio para que as coisas deem terrivelmente errado.
Com os problemas inflamados entre álcool e drogas, o grupo traz a brilhante ideia do game, que puxa todo o fio para o desenrolar da história. O que esses nativos digitais não esperam é que suas vidas são tão frágeis quanto as telas de cristal líquido dos aparelhos que carregam como uma extensão corporal. Além disso, falsas relações e segredos chocantes vêm a tona quando todos estão sozinhos, cada um por si. É matar ou morrer tirando uma selfie.
Morte Morte Morte é uma obra prima que catapulta Reijn ao hall de diretoras brilhantes. O clima sombrio e agoniante é perfeitamente construído, e o entrosamento do elenco é de tirar o chapéu. Todas, absolutamente todas as atuações são bem executadas (até a do insosso Pete Davidson). Carismáticas, viscerais e implacáveis, não será surpresa se as atrizes tornarem-se scream queens no futuro. Sem mais delongas, o filme é um reflexo sangrento de uma ansiosa geração, que segue consumindo desenfreadamente, sejam conteúdos sem conteúdo ou remédios prescritos como se fossem chicletes. Uma experiência diferenciada, que vai te arrancar risos nervosos em meio ao sangue – muito sangue!

Nota: 5
