Não, Não Olhe! é sobre alienígenas e a história do cinema norte-americano (Crítica)
Com uma ideia genial, mas de execução irregular, fórmula de Jordan Peele começa a dar sinais de desgaste em Não, Não Olhe!
Publicado em 24 de agosto de 2022, por Victor Hugo de Paula • CríticasPoucos cineastas têm o poder de subverter completamente as minhas expectativas como a filmografia de Jordan Peele. Mas se a progressão alucinante, que vai de uma comédia romântica sobre um relacionamento inter-racial para um verdadeiro thriller de suspense e terror que Corra! propõe e executa magistralmente, me deixou com aquela sensação de espectador realizado, que consegue perceber como todas as pontas se conectam para a criação de um todo muito maior do que o esperado; Não! Não Olhe! já me deixou confuso sobre as reais intenções do cineasta – E não, eu ainda não assisti Nós.
O enredo de Não! Não Olhe! é extremamente rico em referências e simbolismos, uma vez que a família que sustenta toda história, formada pelo patriarca Otis Haywood (Keith David), e pelos filhos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer), é também de certa forma a história do cinema, seja em seus aspectos artísticos ou de indústria.
Os Haywood são donos de um haras no meio do deserto na Califórnia, onde são criados cavalos treinados e dedicados para aparições em filmes de Hollywood. Aliás, o nome do empreendimento, muito apropriadamente é Haywood Hollywood Horses, ou HHH. Há uma camada histórica mais profunda no negócio da família, pois algumas cenas após a apresentação do conflito principal, descobrimos que os Haywood reivindicam ser decentes do homem que protagonizou a icônica filmagem The Horse in Motion (O Cavalo em Movimento), de 1878, notoriamente conhecido como o primeiro filme da história, em que um homem negro cavalga por alguns segundos.
Mas o conflito é estabelecido a partir do momento em que de uma forma extremamente inusitada, o velho Otis morre ao olhar para cima pela ocasião de um suposto acidente aéreo que acaba por derrubar pequenos itens como chaves e moedas sobre a propriedade dos Haywood. OJ então assume os negócios da família, e por apresentar algumas dificuldades em se comunicar com as equipes dos filmes, pede ajuda de sua irmã Emerald que há tempos abandonou a vida interiorana para buscar novos horizontes.
O negócio familiar, porém, está mal das pernas, e OJ acaba vendendo alguns cavalos para o vizinho da sua propriedade, o dono um parque de diversões Ricky interpretado por Steven Yeun, e que tem um passado igualmente simbólico e assustador, pois quando criança era ator mirim e o sobrevivente de um surto de um chimpanzé em um set de filmagens de uma série de TV.

(Universal Pictures/Reprodução)
Após o sumiço de um dos cavalos e a aparição de um óvni visto pelos irmãos Haywood, entra também na história o técnico de câmeras de segurança Angel (Brandon Perea) a fim de ajudar a registrar o disco voador, o que pode salvar a família da falência. O problema é que quando o objeto se aproxima, todo e qualquer objeto elétrico é desligado, restando uma única possibilidade para o registro: uma câmera manual, sem o uso de eletricidade, assim como a que registrou o cavalo em movimento em 1878.
A ideia de ecoar a história do cinema a partir de personagens não brancos é o grande fetiche do filme, e apenas por essa longa sinopse – na qual tentei ao máximo me deter aos simbolismos mais superficiais – é de se imaginar a imensa dificuldade de realização cinematográfica aqui colocada. O problema é que Não! Não Olhe! não exatamente é capaz de dar conta ao que promete, e a sensação final é a de que muitas pontas foram deixadas soltas. Além disso, a narrativa conta com o típico humor do texto de Jordan Peele, o que sugere um tom despretensioso em que a proposta é a da simples brincadeira de gêneros e o do terror cômico.

(Universal Pictures/Reprodução)
Não se pode negar que em termos técnicos, o filme é uma experiência de cinema espetacular. O cenário desértico ambientando cenas noturnas belíssimas onde o espectador é levado a observar o céu estrelado e as nuvens – as nuvens! Prestem atenção nas nuvens! – tornam o filme uma experiência extremamente imersiva e, por que não, divertida.
O elenco parece entender muito bem a proposta do diretor e consegue entregar atuações que são totalmente coerentes com o quão inusitadas são as situações vivenciadas pelos personagens, mas sem perder um certo quê de fantasia em que os atores parecem incorporar alguma forma de super-herói da representatividade.
A complexidade da proposta mostra o quão ambiciosa é a proposta de Jordan Peele, o que não parece coerente com o tom despretensioso do texto e do enredo, de forma que a sensação final é a de que a fórmula do cineasta começa a mostrar sinais de desgaste. Não é fácil passar uma mensagem rica em simbolismos sobre o apagamento de imagens na mesma medida em que se conta uma história despretensiosa sobre óvnis e extraterrestres.
Uma história, porém, nunca é só uma história, e dosar a quantidade de comentário social em uma obra de entretenimento é essencial para que a mensagem seja devidamente entregue ao público, mas acho que infelizmente, Não! Não Olhe! não é um desses casos.

Nota: 3.5
