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Não Se Preocupe, Querida poderia ser facilmente um episódio de Black Mirror (Crítica)

Florence Pugh se destaca em uma atuação potente, mesmo que o filme como um todo não seja tão robusto assim

Publicado em 19 de setembro de 2022, por Críticas

Quando a britânica Black Mirror estreou no Channel 4 em 2011, o público foi surpreendido com episódios que desafiavam até mesmo a sua própria interpretação sobre a sociedade contemporânea. Embora muitas histórias criativas tenham sido vistas nas temporadas seguintes, o primeiro impacto causado pelo “episódio da porca” foi o suficiente para mostrar a potência criativa da série. Nesse sentido, é ousado fazer uma comparação logo neste primeiro parágrafo, no qual o longa Não Se Preocupe, Querida (Don’t Worry Darling, no original) poderia se encaixar facilmente como um dos episódios da produção antológica da Netflix.

Dirigido por Olivia Wilde, que também já chamou a atenção do público com Booksmart (2019) e o videoclipe “Dark Necessities”, da Red Hot Chilli Peppers, o filme em questão conta com Florence Pugh no papel de Alice, uma mulher que vive feliz ao lado do marido (Harry Styles) nos Estados Unidos dos anos 1950 em um local conhecido como Project Victory. Desde a primeira sequência, é visível como todos os vizinhos que fazem parte de seu cotidiano levam a mesma vida pacata e livre de perigos, com papéis de gênero bem demarcados e a tradição estadunidense dos afazeres do dia a dia: note que até mesmo o breakfast é composto de ovos, bacon e café puro, por exemplo.

Contudo, o local parece esconder alguns segredos, principalmente porque essas esposas, incluindo a própria Olivia Wilde no papel de uma delas, questionam certos acontecimentos estranhos, incluindo o fato de que os maridos nunca dizem o que realmente fazem no trabalho. Além disso, existem regras rígidas com relação à saída daquele ambiente aparentemente controlado, o que ninguém ousa fazer, com exceção de Margaret (KiKi Layne), que voltou transtornada de sua experiência. Isso provoca sentimentos mistos em Alice, que se incomoda com a situação e tenta entender o que realmente aconteceu com sua vizinha. Mas será que ela tem alguma chance nesse mundo cor de rosa?

Cercado de polêmicas envolvendo seu elenco principal e à escalação de Harry Styles para o papel de um dos protagonistas, é indiscutível de que Não Se Preocupe, Querida ganhou ódio gratuito do público antes mesmo de sua estreia. Embora não seja um filme perfeito, ele também possui suas qualidades: a atuação de Florence Pugh é um dos destaques. Ela, que consiste em uma das melhores de sua geração, entrega dramaticidade em todas as suas cenas. É como se o roteiro a favorecesse em todos os momentos, dando destaque à sua performance em boa parte da projeção. Assim, é notável perceber como sua versatilidade proeminente dá um tom perfeito ao que o filme propõe a partir do seu clímax.

Com as viradas, Pugh também utiliza a expressão corporal para contar a história. Aqui é válido citar que o roteiro possui furos perceptíveis e até desgastantes, mas ao ser hipnotizado pela performance da protagonista, essa questão fica até em segundo plano. A falta de profundidade da história se perde em meio às considerações sobre as surpresas que Pugh será capaz de realizar. E mesmo que isso seja um ponto positivo, também é um ponto negativo. Além da atriz, nenhum outro membro do elenco está à sua altura. Enquanto Styles tem nas mãos um personagem passivo e quieto, cujos momentos de explosão são pontuais em uma performance limitada, Chris Pine não consegue fugir da caricatura. O mesmo ocorre com Wilde em sua interpretação preguiçosa e com o sentimento de: o orçamento estourou, não tem mais ninguém pra atuar, deixa que eu faço.

Não há expressividade e emoção, nem ao menos quando o roteiro exige isso. Há revelações importantes na narrativa que não conseguem ser carregadas por Styles, Pine, Wilde e até mesmo Gemma Chan. Inclusive, a personagem desta última tinha tudo para ser uma das mais interessantes do longa, mas o que se vê na tela é algo sem vida. Apesar disso, o roteiro superficial não poderia exigir demais das atuações. Talvez, a única que poderia ousar nesse sentido fosse a diretora. Mas apesar de pecar na direção de elenco, ela ainda consegue desenvolver o ritmo de forma criativa. Há escolhas bem definidas e planos ousados. Logo no início do filme, por exemplo, Wilde filma o erotismo do casal formado por Pugh e Styles de um modo curioso e pouco visto no cinema. Sua escolha de decupagem também é certeira em outras ocasiões, sobretudo na quebra de eixo, mesmo que boa parte do filme seja muito clássico.

(Warner Bros. Pictures/Reprodução)

Vale citar também o trabalho potente da direção de fotografia que, meclado à direção de arte, entrega uma visualidade bastante rica. Os detalhes de concepção artística que reforçam o cotidiano enfadonho e repetitivo são bem trabalhados, transformando cores vibrantes em algo atrativo, seja para o público ou para os personagens inseridos naquele microcosmos. Em contrapartida, quando há momentos de tensão, as luzes ficam baixas, reforçando o que está estranho ou incomum. Esse contraste que ajuda, sem dúvidas, a contar a história é notável e transparente, funcionando como um guia para os espectadores sobre o que está prestes a acontecer.

Em resumo, Não Se Preocupe, Querida é um filme problemático, seja nos bastidores ou no seu resultado final. Mesmo com qualidades interessantes e toques de previsibilidade, há defeitos que o catapultam para o fundo do poço. Ao ser comparado como um episódio de Black Mirror, possivelmente alguns fãs da produção britânica o colocariam em seu ranking de melhores episódios ainda que no final da lista. Porém, acredito que ele possa caber em um ranking de episódios com ideias criativas e ousadas, mas com desenvolvimentos preguiçosos.

Não Se Preocupe, Querida
Don't Worry, Darling
2022
Olivia Wilde
Katie Silberman
Warner Bros. Pictures

Nota: 2.5

Nota: 2.5

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Escritor por vocação, acadêmico por forçação de barra e apaixonado por televisão desde que Chaves começou a ser exibido no SBT. Graduando em Cinema e Audiovisual que ainda acredita em um encontro inesperado com Hayao Miyazaki.