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tick, tick…BOOM!: Andrew Garfield se entrega por completo em uma homenagem à arte de criar (Crítica)

O primeiro trabalho de Lin-Manuel Miranda na direção homenageia a genialidade de um artista que não teve sua arte reconhecida a tempo

Publicado em 26 de março de 2022, por Críticas, Oscar 2022

Assistir tick, tick…BOOM! é uma explosão de sentimentos. Um filme com uma aura tão alegre, tão autoconsciente do que está fazendo, dos seus porquês e dos seus comos, facilmente seria uma experiência leve e divertida não é mesmo? Mas não é esse o caso. O filme de Lin-Manuel Miranda é uma adaptação do musical de mesmo nome e que consiste no relato autobiográfico de um curto período da vida do compositor genial, Jonathan Larson. Se você conhece ao menos um pouco da arte do teatro musical, com certeza já ouviu falar de Rent, uma obra revolucionária e aclamada pela crítica, vencedor do Tony Award e do prêmio Pulitzer de teatro do ano de seu lançamento. Infelizmente, porém, esse reconhecimento não veio a tempo, já que Larson falece em 1996, na vésperas da estreia de Rent.

Todas essas informações são expostas logo no início de tick, tick…BOOM!, e toda a paixão e encanto que o filme faz questão de despertar em nós por meio capacidade incrível desse artista, até então tão mal compreendido, tem um gosto agridoce para o espectador, pois já sabemos de seu desfecho. Parte dessa tempestade de sentimentos é resultado do trabalho impecável de Andrew Garfield, que mostra uma versatilidade fora do comum, expressando com maestria toda a carga dramática que o a trajetória de seu personagem pede, cantando magnificamente bem e abraçando esse projeto com todas as suas forças. É visível o amor que o ator tomou por esse projeto, e a indicação ao Oscar de Melhor Ator é para lá de justa.

(Netflix/Reprodução)

Temos aqui um Jonathan Larson que anseia por criar. Seu maior sonho e desejo é concretizar a realização do musical Superbia, uma adaptação livre de 1984, do escritor George Orwell, e que levou 8 anos para ser criada. Apesar de poder contar com um apoiador financeiro (Ira Weitzman, interpretado por Jonathan Marc Sherman) que confia na capacidade de Larson em fazer o musical e lhe ajuda com os custos de aluguel do teatro e contratação de elenco, o personagem precisa conciliar uma série de dificuldades em sua vida pessoal, como o seu relacionamento com Susan (Alexandra Shipp), uma bailarina contemporânea que acaba de receber uma chance de trabalhar como professora de dança, mas bem longe da ilha de Manhattan.

Além disso, para seu próprio sustendo, ele trabalha meio período em uma lanchonete junto com sua amiga Carolyn (MJ Rodriguez), mesmo recebendo propostas de seu melhor amigo Michael (Robin de Jesus) de trabalhar na publicidade – o que ele recusa veementemente. O conflito principal porém, está na composição de uma única música que falta para completar o repertório de Superbia, ao mesmo tempo que seu aniversário de 30 anos se aproxima.

Um erro muito recorrente em algumas adaptações de musical é o de chamar atores com pouca ou nenhuma experiência com música. Alguns diretores chegam até mesmo a defender que só assim poderão se focar completamente em suas atuações, quando na verdade é exatamente o oposto. Por dominarem as duas artes, música e da atuação, os atores de musical têm a capacidade de transitar com facilidade entre esses dois mundos e fazer ambos com maestria. Esse erro acaba resultando em algumas cenas ridículas em que os figurantes – geralmente dançarinos profissionais nesse caso – roubam a cena, com performances que deixam os atores principais passando vergonha.

(Netflix/Reprodução)

Por sorte, Lin-Manuel Miranda tem uma experiência vasta nesse mundo e, mesmo sendo sua estreia na direção, consegue construir uma experiência visualmente e musicalmente rica. O roteiro e trabalho de montagem – que também recebeu indicação ao Oscar desse ano – são muito competentes na forma que colocam interpretações das canções de Jonathan Larson. Elas ocorrem em uma espécie de palco, em que os atores que na história principal estão ensaiando para Superbia também participam, o que acontece de forma intercalada com o decorrer da narrativa. Entre esses atores temos por exemplo os nomes de Vanessa Hudgens e Joshua Henry, ambos com experiência em musicais.

O sentimento deixado por tick, tick…BOOM!, volto a dizer, é agridoce. Em meio a toda essa juventude e alegria, o maior antagonista aqui é o tempo – coisa que Larson deixou bem claro no título. A luta do compositor para finalizar a sua obra com a única música que falta, algo que normalmente lhe é tão natural e que faz com frequência, mesmo que as vezes sem a menor necessidade, revela o tamanho do cuidado e amor que um artista pode dedicar a seu próprio trabalho. Em meio a isso estão todas as dificuldades da vida adulta, que mesmo com o privilégio de estar no centro mundial dos musicais, Nova Iorque, tornam o sonho do artista tão inacessíveis. tick, tick…BOOM! lembra a todos os artistas que lutam para viver de sua arte, que mesmo que não recebam o tão esperado reconhecimento, podem deixar um legado que será maior do que podem conceber.

tick, tick...BOOM!
tick, tick...BOOM!
2021
Lin-Manuel Miranda
Steven Levenson, adaptado do musical de Jonathan Larson
Netflix

Nota: 4

Nota: 4

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Gosto de música, cinema, artes em geral e de um bom pudim. Membro e pregador fiel da religião "Equilibro é tudo." Sou graduado e atualmente mestrando em Geografia.