Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é o filme do ano (Crítica)
Novo sucesso da A24 discute trauma intergeracional através de uma emocionante e divertida ficção científica
Publicado em 26 de junho de 2022, por Lucas Ricci • Críticas, Oscar 2023A produtora americana A24 é conhecida por fazer muito com pouco, criando obras criativas e únicas com baixos orçamentos. Tem-se como resultados notáveis desse feito longas como O Farol, Hereditário, A Lenda do Cavaleiro Verde e agora, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Dirigido pela dupla conhecida como Daniels (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), o novo filme da produtora aborda o trauma transgeracional através da ficção científica em um dos filmes mais ousados, originais e imaginativos dos últimos anos.
Você em algum momento de sua existência provavelmente já parou para pensar no que aconteceria se você tivesse tomado decisões diferentes das que te trouxeram até aqui. Será se você seria mais feliz? Mais bem-sucedido? Famoso talvez? E se essas diferentes versões de você não ficassem apenas no campo das ideais, mas se materializassem em diferentes universos paralelos? Essa é a premissa de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.
Evelyn (Michelle Yeoh) é uma mulher frustrada de meia-idade nascida na China e que se mudou para os Estados Unidos ainda jovem com Waymond (Ke Huy Quan), seu amor de juventude rejeitado pelo pai (James Hong). Juntos, eles são donos de uma lavanderia recém auditada pela receita do governo federal, e pais de uma jovem LGBTQIA+, Joy (Stephanie Hsu), com a qual Evelyn mantém uma relação complicada. Todas essas tensões se colidem no dia da auditoria, onde Evelyn ao mesmo tempo planeja uma festa, lida com a presença da namorada da filha, e também descobre sobre a existência desses diferentes universos, e a ameaça que planeja acabar com todos eles.
A partir desse momento, a protagonista precisa enfrentar diferentes versões de si enquanto as transpassa a fim de parar esse grande mal que ameaça toda a existência humana. Evelyn é obrigada então a refletir sobre suas próprias decisões e as variações que as acompanham, enquanto tenta convencer um ser poderoso — e, ao mesmo tempo, si mesma — que apesar da irrelevância das realidades, tudo e todas importam.

(A24/Reprodução)
Assim, o filme leva, junto com Evelyn, os espectadores a refletirem sobre os mais diferentes temas que atravessam a existência humana, mas com um foco maior em questões como expectativas, amor e traumas passados de geração em geração. A realidade é que o filme pode ser visto como a concretização ideal de seu título, são um pouco mais de duas horas de tudo, em todo o lugar, ao mesmo tempo. Por isso, é difícil classificar o longa sob um único gênero, e creio que isso seria extremamente limitante, temos aqui um drama, que também é comédia, ficção científica, ação e muito mais. Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo emociona, diverte, arrepia e reflete ciclicamente em um caos extremamente coerente.
Esse resultado só pode ser atingido através de um roteiro impecável, o que é o caso. Tamanho primor do roteiro se mostra em uma das cenas mais emocionantes (e engraçadas) do filme, uma conversa entre dois objetos inanimados que não falam nada, mas expressam tanto. O roteiro faz um excelente trabalho na construção de diálogos e na costura dos diferentes temas e gêneros pelos quais o filme perpassa, provocando as mais diferentes sensações na audiência, ao mesmo tempo.
Entretanto, de pouco adianta um ótimo roteiro sem ótimos atores para dar vida a sua complexidade. O filme joga a maior parte dessa responsabilidade nas mãos de Michelle Yeoh, dando espaço para a atriz brilhar em diversas versões de uma personagem, e como ela brilha. A atriz da vida ao roteiro de forma impecável, com uma atuação que acompanha toda a profundidade e sentimentalidade da escrita. Junto dela temos também Stephanie Tsu, que finalmente teve espaço para mostrar todo o seu talento, versatilidade e carisma. Carisma é também o que Ke Huy Quan tem de sobra, fazendo aqui um excelente trabalho como Waymond, enquanto coloca sua maestria em artes marciais a prova.

(A24/Reprodução)
A direção dos Daniels explora muito bem não somente o núcleo central, como também todo o elenco secundário, formado por ótimos atores como Jamie Lee Curtis, James Hong, Jenny Slate e Harry Shum Jr. Os diretores colocam toda a sua criatividade e coragem em jogo nesse longa, mostrando não só o que eles consideram que significa fazer cinema, mas também tudo o que a sétima arte pode ser. Eles aspiram ver até onde podem ir enquanto cineastas para transmitir suas ideias fantásticas presentes em seus imaginários, e o resultado disso é incrível.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é excelente em praticamente todos os seus aspectos, incluindo uma trilha sonora, direção de arte e de fotografia magistrais. Abordar todos os seus aspectos e excentricidades em uma crítica é praticamente impossível. Basta dizer que assim como o multiverso, o filme poderia ter diversos caminhos, desdobramentos e versões, mas no final ele tem somente uma: a certa, a sublime, a perfeita.

Nota: 5
