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Pop na Práxis: por que séries e filmes LGBTs podem estar com os dias contados?

Vídeo viraliza ao falar mal de Heartstopper, mas uma parte do público ainda não entendeu completamente o que está em jogo

Publicado em 4 de novembro de 2022, por Pop na Práxis

Este texto é bastante introdutório e resumido em questões teóricas complexas, recomendo a vocês lerem alguns dos autores citados aqui e no vídeo de Verity.

Durante as últimas semanas, certas bolhas do Twitter foram impactadas com a divulgação do vídeo “Why is Queer TV getting worse?” (Por que a televisão Queer está ficando pior?, em tradução livre) pelas youtubers Ada Černoša e Verity Ritchie, sendo esta última uma mulher trans e bissexual. O vídeo possui uma pesquisa ampla e detalha bastante a opinião de sua criadora. Mesmo assim, alguns internautas que, inclusive, dizem ter visto o vídeo completo ainda estavam muito absortos e em choque com o ponto de vista apresentado, gerando críticas e argumentos contrários que conseguem ser de alguma forma preconceituosos ou simplesmente estúpidos.

Neste contexto, trago aqui algum embasamento que vai além para a discussão do vídeo, mas que no fim concorda com os mesmos pontos levantados por Verity, e explico os motivos da maioria dos produtos audiovisuais que estão em algum tipo de categorização LGBT atualmente se encontrarem em águas bastante turbulentas.

Teoria Queer vs Assimilacionismo

A princípio, um dos maiores conflitos nas divergências das discussões tanto acadêmicas quanto leigas na área do cinema LGBT se dão pela conexão é que os questionamentos e as concordâncias são influenciados pelas narrativas hegemônicas que são difundidas entre pessoas da minoria. Em outras palavras, consideramos relevantes o que já conhecemos do que é mundialmente divulgado sobre a comunidade e colocamos isso na balança para julgar uma série ou filme como bom ou ruim.

Aí temos o primeiro problema: existem dois grandes tipos de visões de mundo antagônicas — e até de desejo utópico de outro tipo de mundo —, sendo estas ideias algo que sempre se fez presente em algum lugar na sociedade, mas foram melhor organizadas enquanto teses nos anos 1960 e possuem interesses distintos.

O assimilacionismo (assim chamado por teóricos queer), tende a assimilar a vivência heterossexual à uma vivência dissidente dentro do gênero ou sexualidade. De forma bastante resumida isso significa associar a vivência LGBTQIA+ a uma vivência hétero-cis, colocando-a no mesmo lugar que esta forma hegemônica amplamente divulgada na sociedade.

Um dos maiores expoentes da divulgação desta forma de pensamento nos EUA foi o político Harvey Milk, que em plena crise de casos de violência e homofobia, além do surgimento da AIDS e HIV, focava suas políticas “inclusivas” a partir da associação — para um público heterossexual — da união estável entre gays e lésbicas ser igualmente “pura”, “amorosa” e “aceitável” para essas pessoas cujo a ideia da existência da sexualidade não-heterossexual ou do gênero não-cis passava por aspectos de aversão, nojo e repulsa.

Harvey Milk durante protesto contra a “proposta briggs” (AP Imagens/Reprodução)

Sendo suscinto, os teóricos queer apontam nessa política de boa vizinhança uma falha imensa, por vários motivos: a ignorância quanto a sexualidade, a necessidade de se encaixar em moldes e padrões já presentes na sociedade e não criticá-los caso faça sentido para a individualidade de cada um e um pensamento bastante conservador àqueles que não se encaixam dentro dos mesmos.

As implicações na materialidade do tecido social se dão por exemplo numa ausência de discussão quanto a questões sexuais, aversão a poder falar sobre fetiches, sexo gay/lésbico, relações não-monogâmicas e padronização de família, trejeitos e formas de viver. Politicamente isso tende a resultar em leis e ações públicas que negam situações, ignoram pessoas e em última instância, matam. O maior exemplo disso foi a inércia dos governos de direita presentes na maior parte do mundo ocidental durante a crise do HIV nos anos 1980, que por motivos religiosos não trataram dela como uma epidemia e sim como uma doença “enviada por deus para matar homossexuais”, principalmente nos EUA durante o governo de Ronald Reagan.

Esse tipo de pensamento causa impactos até hoje, sobretudo nas pessoas que não são capazes de discutir o sexo gay, prazer, fetiches e assuntos afins ao ter que lidar com casos de pedofilia nas igrejas (por padres ou pastores), ao ter que pensar em casas de swing e saunas de maneira cômica ou em infecções sexualmente transmissíveis. Nenhum desses assuntos vai ser devidamente tratado ao passar por um processo mental de abjeção ou nojo. Um exemplo bastante atual é o Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), durante uma live debochar da Varíola dos Macacos (bastante transmissível entre homens e por isso associada como doença gay), além de acusar um colega de ter medo de pegá-la. Enquanto ele ria a vida de um dos poucos atingidos (gerando morte) pela doença foi descartada, além das vacinas virem para o país numa velocidade extremamente devagar.

Gayle Rubin e Judith Butler já nos anos 1970 discordavam deste tipo de pensamento e propunham abraçar e poder discutir abertamente fetiches sexuais, dissidências na vivência de gênero e nos comportamentos humanos. Assim foi possível ver como políticas públicas e até vidas pessoais eram afetadas pelos padrões de gênero e sexualidade. Utilizando uma visão também referente à história e à origem das famílias nucleares ocidentais, foi possível tratar do assunto pensando na história de maneira geral e concluir que gênero e sexualidade são socialmente construídos. Enquanto para certas sociedades o esperado de um homem ou de uma mulher poder ser uma atitude X, em outros períodos históricos ou outros territórios poderia ser esperada uma atitude Y.

(Éditions Ismael/Reprodução)

Este tipo de pensamento questiona, reflete e tece críticas severas às vidas de pessoas que criam, interagem e constroem seus afetos com a lógica assimilacionista. De maneira muito mais livre e direta, Gayle se abre enquanto pessoa fetichista e baseia sua tese nas construções de família e de aversão da sociedade quanto a fetiches sexuais. Judith percebe o quanto da vida feminina e a homossexualidade são criadas acerca de inverdades, de trejeitos e convenções sociais normalmente fortalecidas por um sistema social e não pela vontade individual.

Sua experiência individual é capitalista, gay

O que as pessoas LGBT que batem o pé para se afirmar defensoras da visão de mundo assimilacionista normalmente apontam são os supostos benefícios que ela traz a sociedade. De maneira jurídica principalmente, assimilar e organizar toda uma comunidade que não segue a norma padrão de se relacionar sexualmente ou de se colocar enquanto gênero serve bastante ao Direito. O que antes eram “uniões de homem com homem” pode ser transformado juridicamente em “união estável homossexual” pois há agora uma definição do que seria a homossexualidade, uma união estável considera pessoas e não mais homem e mulher e situações afins.

O maior problema está no quão abrangente é pensar em gênero e sexualidade, já que os vemos com os olhos de hoje e com uma visão euro-centrada. Em outras formações sociais ou outros tempos históricos a organização de gênero e sexualidade não seria a mesma. Por exemplo, nos povos indígenas da América do Norte é bastante retomada atualmente a figura do 2-Spirit, uma pessoa cujo gênero fluía entre masculino e feminino por questões espirituais. No Brasil temos vários povos com vivências homossexuais, bissexuais e transexuais, a grande maioria sem repressão da sexualidade ou do gênero por parte das lideranças — pelo menos antes da sua evangelização e catequização.

Indígena com a bandeira do arco-íris na primeira plenária LGBT+ nos 18 anos da história do Acampamento Terra Livre, em Brasília (Juliana Pesqueira & Apib/Reprodução)

Com o advento e popularidade do modo assimilacionista de ver as questões LGBTQIA+, uma massa de pessoas pertencentes a minoria começaram a encarar a própria vida e suas conquistas individuais como alheias a todo o contexto social que discriminava a vida delas. Por exemplo, como drag queens presentes na 1ª Parada LGBT (na época chamada de Parada Gay) do Brasil, em São Paulo 1999, que viveram uma realidade tão mais difícil e neste evento carregavam cartazes exigindo a inserção de pessoas LGBT no mercado de trabalho, em 2018 votavam a favor de Bolsonaro e contra direitos do trabalhador, mantendo o discurso homofóbico que o mesmo proferia?

Em uma sociedade capitalista, o discurso da meritocracia e da individualização dos problemas seduzem e conduzem pessoas ou situações que têm problemas com origens no próprio sistema a pensarem que a dificuldade é individual, que a culpa é delas ou de algo simplista.

(El País/Reprodução)

A própria utilização de causas e divulgação de pessoas LGBT no ambiente empresarial mudou drasticamente nos últimos 10 anos.  Essas empresas em sua grande maioria antes de “apoiar” causas e pessoas LGBTs fizeram pesquisas de mercado e descobriram que pessoas do grupo têm maior tendência a conseguirem a independência mais cedo por serem expulsos de casa ou fugirem da proximidade da família que não os aceita, por isso o boom da “aceitação” se deu após os anos 2010. Em algumas empresas multinacionais muito antigas, por exemplo, foi comum apoiar o nazismo na Alemanha ou o fascimo na Itália pois aquele governo trouxe maior lucro para elas.

Ao analisar sem uma crítica muito embasada isso se torna um cenário de melhora, de representatividade. Mas quando os estudiosos da área da sociologia e história criticam este movimento é devido a esta representação ser falha, não garantir uma inclusão verdadeira na sociedade nem ajudar de maneira concreta a vencer os preconceitos e suas raízes que são bem mais complexas do que a associação da aceitação do casamento gay/trans ou do consumismo a partir do pink money.

Um dos grandes exemplos recentes foi a notícia de que Cuba alterou seu código familiar após referendo (votado pela própria população) e as manchetes apenas destacaram a inclusão do casamento gay. Uma alteração na maneira como a sociedade vê gênero, sexualidade, conceitos de família e afins é muito mais ampla que apenas a liberação do nome social, da inserção de pessoas LGBTs no mercado de trabalho e outras reafirmações de pessoas da minoria na lógica capitalista. A imprensa destacou o feito como “um aceno ao ocidente” do país, mas o mesmo Ocidente tido como tão livre pela própria mídia hegemônica elegeu este ano uma neo-fascista (da Itália) e luta em vários países para abafar ondas neo-nazistas, rascistas e conservadoras. Se no histórico de perseguição contra gênero e sexualidade temos motivações religiosas, elitistas, higienistas e políticas, focarmos nossa vivência LGBT apenas em questões individuais se torna um grande tiro no pé.

É importante que você saiba disso enquanto LGBTQIA+ e público de obras audiovisuais, porque o que Verity chama no vídeo de “Gaystreaming”, ou seja o que é mais rentável e que possui maior chance de público em narrativas gays, é justamente uma visão de mundo bastante limitada, capitalista e por vezes individualista. Fazer filmes e séries com essa assimilação do personagem gay ou lésbica para uma pessoa “normal”, apaga sua possível diferença, que aos olhos da teoria queer é visto como maravilhosa e necessária para o desenvolvimento de uma sociedade.

Cinema, audiovisual e preconceito

No cinema, esses mesmos questionamentos são feitos a partir do momento em que narramos histórias e refletimos sobre o mundo. Nos anos 1980, um teórico do cinema gay, Vito Russo, escreveu o livro intitulado The Celluloid Closet, criticando boa parte da produção hollywoodiana com personagens LGBT, já que naquela época isso era escasso na produção americana e quando feito possuía visões de mundo bastante questionáveis.

O maior problema da obra de Vito Russo, motivo pelo qual este é criticado na área acadêmica até hoje, é que ele analisa filmes de maneira qualitativa: junta vários aspectos de trejeitos de personagens gays e lésbicas dos anos 1920 até os anos 1980 e argumenta que alguns são errados pois representam afeminados cômicos, outros por lésbicas que morrem ao fim do filme e colocações dessa forma. O erro está na falta de amplitude da experiência humana, que por vezes terá gays ou lésbicas que morrem ao final de alguma narrativa ou afeminadas cômicas, bichérrimas, o que ele via de maneira negativa.

Cena de um dos filmes citados no documentário The Celluloid Closet que critica ou aclama aspectos rasos de filmes hollywoodianos LGBTs do século XX. (Mubi/Reprodução)

Ao tratar da forma “positiva” ou “negativa” de existência de um personagem LGBT ele exclui justamente os que não se enquadram em padrões de vida heterossexuais, que são os hegemônicos. Os gays que “faziam feio” para uma família tradicional eram frequentemente escanteados por Vito Russo. A crítica de teóricos queer no cinema veio não pela inexistência desses estereótipos, que provavelmente existiam principalmente nos anos 1930 para o entretenimento de pessoas hétero-cis, mas pela possibilidade de existência dessas pessoas na vida real, que eram imperfeitas e não se encaixavam em padrões da sociedade e faziam esta, sem os entender, rir.

Colocar o cinema num patamar sempre educativo também levantou muitos questionamentos sobre as possibilidades e maneiras de se ver um filme: o intuito de retratar personagens LGBT deveria fazê-los ensinar as pessoas hétero-cis a entender completamente a realidade deles? Sentir dó? Sair de um filme formado em gênero e sexualidade e prontos para lacrar no twitter?

A partir dos anos 1990 o cinema queer americano despontou (com o New Queer Cinema) trazendo outros tipos de história num cinema mais amplo, que não se importavam com essa possível expectativa sobre histórias boas ou ruins para a sociedade. A grande questão é que estas histórias sempre estiveram de alguma forma emaranhadas no cinema, seja em pequenos detalhes ou filmes inteiros. Os cinemas experimentais americanos possuíam vários elementos que os colocavam numa formação de pensamento semelhante com os da Teoria Queer. No Brasil é possível encontrar leituras queer em filmes como Limite (1939) e O Menino e Vento (1967).

Em Com Amor, Simon (2018), o protagonista reitera várias vezes querer ser apenas um garoto normal e a narrativa extingue qualquer lapso de personalidade que ele possa ter, gerando um personagem raso e qualquer dentro do contexto colegial americano. Em The Thing About Harry (2021), o casal protagonista passa por surtos de ciúmes, não os resolvem e terminam juntos mais por conveniência e necessidade de um final feliz, já que é o que o mainstream clama indiscriminadamente. Este mesmo casal que têm um histórico sexual intenso com outros homens, larga tudo para viver uma monogamia com um final que deixa claro que eles se tornaram uma família margarina, com um filho, exatamente como ocorreria numa comédia romântica brega heterossexual cis.

The Thing About Harry imita trejeitos e situações de comédias românticas heterossexuais além de ter um final bastante higienizado.(The New York Times/Reprodução)

Faço essas críticas porque existem outros tipos de visualização e de retratar os temas abordados no filme, mas estes são apenas alguns dos filmes americanos que se forçaram a caber numa caixa padronizada de produção, agradando um público médio e higienizando os temas tratados. Além disso eles normalmente escanteiam temas políticos, ou deixando-os muito simplistas como a lacração citada por Verity, ou simplesmente jogando todos os problemas para a individualidade do personagem, não por questões estruturais.

A cena de Heartstopper utilizada como meme no vídeo — “That’s homophobic, Harry” — é risível porque aquele problema é “resolvido” pontualmente. O personagem de Harry provavelmente continuaria sendo homofóbico, porque as questões que o levaram a agir assim vão além da ofensa que ele diz e aquele grupo de amigos. Assim poderiam ser tocadas as feridas da educação pública, conservadorismo religioso, entre outros. Mas a série resolve com uma frase de impacto digna de Twitter e encerra-se o tema no mesmo episódio. Isso não significa necessariamente que dentro do formato proposto a série seja péssima, tanto que quando fiz a crítica à obra me dei o direito de dar nota máxima, até por estar começando os estudos em teoria e cinema queer. No entanto, suas características ficam reprimidas dentro de um formato, mesmo que bem explorado.

Outra limitação entre críticos de internet que não estudam o assunto se dá quanto à existência ou ausência de mortes e/ou finais felizes nas tramas LGBTQIA+. O tratamento das questões do grupo por pessoas heterossexuais-cis não foi o melhor em vários períodos históricos. Ao mesmo tempo em que também houve o reforço disso em filmes hollywoodianos, encerrando várias narrativas com tragédias e instigando os espectadores a sentirem dó, como por exemplo em Brokeback Mountain (2005), as tristezas também fizeram parte – talvez até com mais força – das vidas de pessoas à margem. Isso está ainda muito longe de caracterizar uma obra boa ou ruim. Um dos maiores problemas deste tratamento de filmes LGBT vêm dos artistas que falam sobre estes assuntos – normalmente diretores e roteiristas que estão muito acostumados a trabalharem com cinema hegemônico se aproveitam ao máximo da dor destes períodos para criarem filmes sobre a tristeza de ser LGBT focando no espectador médio e como ele vai se impactar. Quando pessoas de dentro do meio falam sobre a dor que elas também convivem, sem amarras de um estúdio, normalmente há mais espaço para as narrativas serem autênticas e consequentemente, melhores.

É importante frisar que o que é feito em termos de cinema queer é muito mais amplo, e dá mais liberdade não só ao criador, mas ao expectador também. Com personagens imperfeitos, por vezes até LGBTs sendo LGBTfóbicos – assim como na vida real, onde pessoas LGBTs têm chances de estarem erradas em suas convicções e replicarem preconceitos com os seus-, sexo sem tabus e reiterações da estranheza daquele universo diante de uma padronização social, o cinema queer abre portas para o diferente, infelizmente não tão comercial, o que o deixa escanteado, nichado e categorizado por alguns como abjeto.

It’s a Sin trata do sexo na comunidade gay dos anos 80 com bastante clareza, mostrando até apoiadores de Tatcher que criou políticas desfavoráveis ao tratamento da doença. (Gay Times/Reprodução)

A Netflix é toda boazinha, ela é toda do bem, ela é tão galera!!!

Enquanto para a televisão dos anos 2000 haviam vislumbres raros de uma possível “representatividade” como Cold Case, alguns episódios de Arquivo X, Doctor Who e outros roteiros com grande público colocavam alguns segundos de homossexualidade ou transsexualidade em suas histórias, o que frequentemente causava impactos, fofocas ou grande repúdio do público. Queer as a Folk (Original do Reino Unido, 1999-2000) foi uma das primeiras narrativas com personagens LGBT de sucesso no Channel 4, gerando uma versão americana e abrindo um espaço maior para o público na TV.

Porém um dos casos que realmente mudou o rumo da produção contento personagens LGBTs na TV e até no cinema foi o surgimento da Netflix enquanto produtora de conteúdo, fazendo séries como Orange is the New Black e Sense8 no começo de sua expansão. O que já é tratado no vídeo de Verity, são os motivos que levaram a empresa a se posicionar desta forma e porque você não deveria se deslumbrar tanto com esse tipo de “acolhimento” do grupo empresarial para com o público LGBTQIA+.

Sendo a Netflix uma empresa gigantesca alocada no capitalismo ela vai estar operando de acordo com as necessidades dele. Quando falamos em “não afagar o ego das grandes corporações”, falamos justamente neste tipo de caso. O streaming se moldou abraçando grupos minoritários, mas como qualquer empresa capitalista os cancelou quando estes não geraram lucro. Um dos primeiros cancelamentos que mais gerou choque nos fãs por exemplo foi uma série sobre minorias, The Get Down (2016-2017). A Netflix, Disney+, HBOMax ou qualquer outra produtora não tem nenhum compromisso com minorias, mas com o lucro que elas podem gerar.

The Get Down (Netflix/Reprodução)

Os olhos devem ficar atentos às mudanças nos canais justamente pelo que foi levantado no vídeo. Verity reclama da previsibilidade das narrativas LGBTQIA+ água com açúcar, sem personagens assexuais protagonistas (pois não vende), sem narrativas bissexuais amplas o suficiente para captar toda uma vivência (também não vende). E ficamos presos em narrativas educativas, óbvias e com data de validade agora que a Netflix alcançou o teto de assinantes possíveis no mundo todo. A tendência é que ela faça o que é mais lucrativo, não o que pode chamar mais público e fazer a divulgação por grupos de nicho.

Talvez a Netflix comece a se parecer nos próximos anos mais do que é feito no cinema de blockbusters que vai para as salas físicas. E quem perde somos nós, os países sem regulamentação do streaming e os que não possuem incentivo fiscal do governo para a produção de cultura não-hegemônica, como o também citado no vídeo Channel 4, que produz séries queer em massa. Mas produção e controle governamental é papo para outra coluna.

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Estudante de Cinema e Audiovisual em formação, "sériéfilo" por consequência, entusiasta de efeitos visuais e crente no poder de transformação social através das artes.