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Goodbye: a crise, exaustão e perda na canção pré-despedida das Spice Girls

No ápice da carreira, as Spice Girls refletem sobre seus altos e baixos em uma de suas melhores músicas

Publicado em 8 de abril de 2022, por PROMO SAMPLE - A História de uma Música

Não ironicamente, definiria “Goodbye” das Spice Girls como o melhor Marketing da Desgraça que já existiu na história da música. A canção, uma balada muito bem produzida, encerrou o ano de 1998 (um dos piores para o grupo) com chave de ouro e com uma questão levemente marketeira: “após tanta desgraça, seria Goodbye uma despedida oficial das Spice Girls?”. Hoje irei contar a longa história que resultou em “Goodbye”, com um enredo que aborda decisões importantes, amadurecimento, caos, machismo, tudo compilado com uma despedida importante e que afetaria o futuro da maior Girlband de todos os tempos.

O mundo das Spice Girls

Quem viveu o fim de 1997 e início de 1998 era exposto às Spice Girls a cada metro quadrado. Neste período, se você gostasse de um refrigerante, elas possuíam um contrato com a marca Pepsi, que incluía latas com seus rostos e um single exclusivo. Se gostasse de comer, elas possuíam uma linha de pirulitos, chicletes, chocolates e pizzas. Se usasse desodorante, elas tinham uma coleção com a marca Impulse. Se quisesse presentear alguém, cada loja de brinquedo possuía um vasto lote das bonecas “Spice Girls – Girl Power Collection”. Mas, se nada disso te interessasse e você só quisesse ver o que está passando nos cinemas, era hora de conferir Spice World: O Mundo das Spice Girls.

A dominação do grupo no mercado era incrível e revolucionária. Nunca nenhum grupo feminino havia alcançado a fama mundial e uma dominação no mercado que ia além de vendas de álbuns e singles. Em menos de 12 meses após o primeiro álbum Spice, elas haviam firmado parcerias com marcas como a Chupa Chups, Walkers, Galoob, Polaroid e outras. A nível de comparação, o merchandising oficial delas se assimilava com o mega sucesso de Xuxa nos anos 1980, ou até a dominação dos YouTubers em linhas de livros, cadernos e bonecos que ocorreu no início da década passada. Em 1997, elas eram o momento e aproveitavam o hype para ganhar dinheiro e fortalecer a marca. Mas será que uma marca em constante exposição não chegaria em um nível de saturar? Alguém da equipe delas pensou nisso?

(Spice Girls/Reprodução)

Certamente, em primeiro momento, não. Ainda em 1997, o grupo era empresariado por Simon Fuller (no centro da imagem), conhecido posteriormente pela formação do grupo S Club 7 e Now United. A relação do grupo e de Simon foi iniciada em 1995, quando elas chegaram com o projeto pronto e pediram ajuda para conseguirem debutar como artistas no Reino Unido. Nota importante: ele não criou as Spice Girls como comumente a mídia diz. Elas conheceram Simon quando já haviam gravado demos e também decidiram o nome do grupo coletivamente, sem intervenção dele.

Ainda em 1995, Simon conseguiu um contrato com a Virgin Music, e após o lançamento de “Wannabe”, a história foi feita. Existem muitas incertezas sobre o andamento da relação profissional do empresário e das Spice Girls, mas um fato é que as coisas estavam tensas na segunda metade de 1997. Naquele momento, elas já haviam gravado um filme, produzido seus primeiros dois shows em Istambul e estavam no início da divulgação segundo álbum de estúdio: Spiceworld.

Como máquinas em constante funcionamento, elas basicamente não pararam desde o lançamento de “Wannabe”, em julho de 1996. A única pequena pausa referente foi na parte musical, com sete meses entre os singles “Mama/Who Do You Think You Are” e o lead single de Spiceworld, chamado “Spice Up Your Life”. O trabalho exaustivo é constantemente citado por elas, principalmente no documentário Giving You Everything, da BBC. Após o lançamento de “Mama/Who Do You Think You Are”, elas já partiram para uma divulgação imensa nos Estados Unidos, onde foram muito bem recebidas. 

Esse constante tempo de trabalho em algum momento explodiria. E assim ocorreu em 7 de Novembro de 1997, poucos dias após estrearem o segundo álbum nas lojas de músicas. Prestes a ganhar alguns prêmios no MTV Europe Music Awards — ou EMA, elas decidiram demitir Simon Fuller e se tornarem suas próprias empresários. Isso não é uma atitude incomum quando pensamos em Anitta ou outros artistas que se tornam independentes ou se empresariam, mas naquela época, o choque foi grande.

E a partir dali, uma grande onda de Backlash as perseguiram por bons meses. Mesmo com grandes críticas, onde apontavam ingratidão por parte delas com o “cara que criou o grupo ” — Fake News, relembrando — elas tiveram grandes momentos no final de 1997. “Too Much”, segundo single do Spiceworld, alcançou o 1º lugar nas paradas Britânicas e garantiu grande exposição ao álbum e filme, um grande sucesso nas bilheterias mesmo disputando com Titanic (1997). Elas também participaram de especiais de Natal e Ano Novo na televisão, além de iniciarem o ano com uma entrevista no programa da Oprah. Demitir Simon Fuller parecia ser uma solução e 1998 chegava com um recomeço e o início de um momento mais unido, com decisões conjuntas em grupo.

Stop — ou “Para a gravação!”

No ano de 1998, as apimentadas começaram com muito trabalho. Após a finalização da promoção do filme, as energias da “empresa” Spice Girls foram automaticamente para a primeira turnê que protagonizariam, Spice World Tour. Esta era uma fase importante, pois foi o momento em que definitivamente largariam os playbacks na televisão e partiriam para uma fase em que evoluíam vocalmente e passariam a se apresentar em grupo.

Essa energia de batalha por reconhecimento como artistas vinha após diversas críticas por se tornarem um “produto fácil de Marketing”. Um momento que ilustra bem esta fase é a performance “Stop” no Brtish Awards de 1998. Antes da performance, Ben Elton (apresentador) fez um monólogo que coincidiria com o futuro do grupo. Enquanto refletia o ano de 1997 do grupo, citava que a mídia tinha uma atitude em que, em livre tradução, “eles a levaram ao topo, eles poderiam derrubá-las”.  Naquele ponto, o grupo já havia vendido 32 milhões de cópias dos seus álbuns, uma turnê esgotada (antes da estreia) e 6 canções que atingiram o topo das paradas de uma só vez.

Apesar de viciante e hoje uma das canções mais populares, “Stop” foi o patinho feio da discografia naquele momento. A exposição do grupo e a perseguição da mídia resultaram em uma “desastrosa” performance da música nas paradas britânicas, conquistando ~apenas~ o 2º lugar. Mesmo não sendo uma grande coisa quando pensamos que até “Bad Romance”, de Lady Gaga, atingiu o mesmo feito, esse era o sinal que talvez as coisas não estivessem indo bem para o grupo.

Em crise, mas no topo do mundo

(Spice Girls/Reprodução)

Mesmo após o fraco desempenho de “Stop”, as coisas não pareciam ter desandado. A turnê Spice World estreou com grande sucesso, com uma setlist que assimilava com o show de Istambul e elementos de ficção científica, com a introdução da nave Spice Girls chegando na cidade onde se apresentariam. A turnê continha integrantes masculinos como dançarinos, incluindo o futuro marido de Melanie B, Jimmy Gulzar. Sucesso puro!

Em algumas entrevistas durante a turnê, elas rapidamente mencionavam planos para o futuro. Na época, houve uma ideia de álbum ao vivo a ser lançado no fim daquele ano e o possível início da produção do terceiro álbum. No conceito, dito pelas integrantes, esse projeto misturaria músicas originais, covers de outros artistas e canções solos e duos; uma mistura de ABBA com álbum de covers. Apesar de nunca confirmado se foi de fato produzido, os shows da Spice World Tour contaram com uma performance solo de Emma, cantando “Where Did Our Love Go” (The Supremes), e também com a performance eletrizante de Melanie C e Mel B com “Sisters Are Doin’ It For Themselves” (Eurythmics e Aretha Franklin).

Em 8 de Abril de 1998, a mídia testemunhava o maior ato das Spice Girls até então. Em uma conferência em que era esperado o anúncio do fim do grupo — algo que a mídia já ansiava —, elas anunciaram quatro shows exclusivos em estádios para Setembro de 1998. As datas aconteceriam três meses após uma passagem nos Estados Unidos. Com início de venda de ingressos pouco tempo após a conferência, as Spice Girls seguiam com uma turnê pela Europa até o fim de Maio, quando dariam uma pequena pausa antes da turnê estadunidense.

Maio chegou e o grupo se portava como se estivesse com força total. Como na apresentação acima, os figurinos estavam mais maduros e os vocais evoluídos, mas nem tudo era como parecia. No livro If Only, de Geri Halliwell, ela menciona que anunciou, em algum momento entre os shows de Milão 8 e 10 de março, que definitivamente sairia do grupo após a passagem pelo Wembley Stadium em setembro. As outras quatro integrantes não pareciam acreditar no que ela dizia, até que as coisas ficaram estranhas. E trágicas!

Um show em 26 de Maio de 1998, na Finlândia, foi particularmente estranho. Com atraso de uma hora, o grupo precisou encerrar o show na música “Viva Forever”. Originalmente, este era um número em que três integrantes —  Geri, Emma e Victoria — saiam do palco e deixavam Mel B e Melanie C sozinhas, encerrando a canção. Pelo atraso, as cinco integrantes permaneceram no palco e se despediram do grupo, não cantando as duas próximas canções, “Never Give Up on the Good Times” e “We Are Family”.

Na mesma noite, após o pouso do jato em que viajavam, as integrantes das Spice Girls partiam para um breve repouso de horas em suas respectivas casas. No dia seguinte, participariam do National Lottery, um programa muito famoso no Reino Unido. Com grande audiência, a participação era ótima para a exposição das artistas. Como as Spice Girls estavam prestes a lançar o single “Viva Forever”, aquele programa era uma data importante na agenda mais que exaustiva. Diferente dos Stories e YouTube, assistir seu artista favorito ao vivo pela televisão era uma grande oportunidade, muitas vezes única naquela época. 

Segundo Emma Bunton, os breves descansos entre as datas das turnês foram rápidos. E no dia 26 de Maio de 1998, Geri Halliwell, ou Ginger Spice, se despediu das meninas após aterrissarem em Londres. “Adeus meninas, eu vou dizer adeus agora”, ela pronunciava. No documentário Giving You Everything, Emma e Melanie C enfatizaram que estranharam a fala de Geri, visto que elas basicamente dormiriam algumas horas e já se encontrariam. Chegado o dia 27 de Maio, apenas quatro integrantes se encontraram para a participação do programa.

Essa data foi marcada por correrias, advogados e pânico. Geri havia sumido e as outras meninas precisavam dela para seguir em frente. “O que é isso, sua vaca? Só volte pro grupo”, disse Melanie C no telefone para Geri (em uma tradução livre). Neste dia, o advogado de Geri apareceu para avisar da decisão da desistência e saída do grupo. Mesmo com o choque da perda de uma integrante, o National Lottery precisava ir ao ar.

Após serem recebidas no palco com aplausos e gritos, a apresentadora do programa questionou se alguém não estava faltando naquele momento. Então, Melanie C toma as rédeas e explica que Geri não estava bem e lança um olhar para a câmera dizendo “Get well soon, Geri”, em tradução livre: “minha filha, minha gastrite vai atacar, volta pra cá porr*”. Mesmo sem Geri, o programa fluiu bem, e as meninas apresentaram “Viva Forever” e “Spice Up Your Life”.

No dia seguinte, o primeiro show da turnê sem a presença de Ginger entrou para a história. Logo na entrada, um cartaz avisava que Geri estava doente e que os ingressos seriam ressarcidos aos que optassem por não assistir. Incrivelmente, as meninas deram entrevistas normalmente, alegando que desejavam melhoras à Geri e que estava tudo bem. Não era verdade. Melanie B contou que elas usaram a desculpa da doença para dar um tempo à Geri e ver se ela desistiria da ideia e voltaria pro grupo. Dia 29 de maio, aniversário de Mel B, nada de Geri, 30 de maio, também sem sinal da ruiva. A imprensa fazia cobertura 24 horas e os fãs estavam sem entender. Em um clássico “Se vira nos 30”, os shows foram refeitos, com as coreografias sendo atualizadas e os solos de Geri sendo repartidos entre as integrantes durante os shows. A etapa europeia da Spice World Tour acabou sem a presença de uma integrante e, indiretamente, os shows da etapa estadunidense estavam prontos, suprindo a ausência de Ginger.

No dia 31 de Maio, as especulações acabaram: Geri deixava o grupo oficialmente, em uma nota divulgada por seu empresário:

“Infelizmente, eu gostaria de confirmar que deixei as Spice Girls. Isto se deve a diferenças entre nós. Estou certa de que o grupo continuará a ter sucesso e eu desejo a elas tudo de bom. P.S.: Eu voltarei.”

(Spice Girls/Reprodução)

Até hoje não se sabe ao certo o que motivou de fato a saída de Geri. Em opinião pessoal, acredito que Geri enxergava as Spice Girls como uma jornada do herói, e acreditava que o fim do grupo em setembro de 1998 renderia a ideia de que foram um grupo icônico e rápido. Ao perceber que isso não ocorreria e uma combinação de situações ruins e saúde debilitada, optou pelo desligamento. No documentário Giving You Everything (2007) há uma menção interessante de Geri: ela possuía uma entrevista solo marcada a respeito de uma campanha sobre Câncer de Mama, que foi cancelada por alguém da equipe sem um aviso prévio. No doc, ela enfatiza que pensou “por Deus vei, nem essa entrevista posso fazer mais?” e que foi um ultimato para sua trágica decisão.

No mesmo dia do anúncio oficial de sua saída, o advogado das Spice Girls anunciou que as meninas respeitavam a decisão de Geri, finalizando com a frase “As Spice Girls estão aqui para dizer — vemos vocês nos estádios!”. E assim, Junho chegava com as Spice Girls sendo um quarteto. Bom, legalmente, elas seriam um quinteto por mais alguns meses.

Viva Forever (I’ll be waiting?)

Numa péssima coincidência, a primeira semana sem Geri foi marcada com o lançamento do single promocional “(How Does It Feel to Be) On Top of The World”, que celebrava a chegada da Copa do Mundo de 1998. Por mais que este seja um artigo e fotos e vídeos sirvam pra ilustrar, sugiro que tire um minuto e meio para olhar este vídeo e entender como Geri estava num mood “I love her lack of energy, go girl give us nothing!”. Geri ainda apareceu publicamente com as outras Spice Girls por mais alguns dias, pois havia gravado uma performance para o programa Top of the Pops, no qual esquecia de cantar parte da letra de “Viva Forever” de tão desconcertada.

Ainda na primeira semana de junho/98, um importante momento para o grupo se destacava como o segundo highlight das Spice Girls em 1998: uma performance com o maestro Luciano Pavarotti. 

Sendo a primeira aparição oficial como quarteto e televisionado, as Spice Girls continuaram a divulgação do albúm Spiceworld e oficializaram “Viva Forever” como próximo single de trabalho. Há rumores que este single seriam duplo, com a canção de “Never Give Up on the Good Times”, mas esta ideia parecia imediatamente descartada após a saída de Geri. Por sorte, Viva Forever era uma das canções em que Geri não ganhou um verso solo, o que facilitou na divulgação.

Mesmo sendo 80% das Spice Girls, a turnê nos Estados Unidos continuou. A maquiadora do grupo na época, Karin Darnell, citou no documentário A Revolução das Spice Girls que parecia que Geri nunca havia estado ali, e isto ocorreu pela entrega das outras integrantes, que assumiram o comanda e prosseguiram com força, mesmo com tanto ódio rondando e os boatos de fim do grupo.

O último passo contratual com Geri Halliwell foi finalizado em 20 de julho de 1998, quase dois meses após sua saída. O lançamento do single de “Viva Forever” acompanhava um videoclipe em que as Spice Girls eram representadas por fadas desenvolvidas em stop motion. Embora nunca oficializado, a falta de tempo devido à turnê e as possíveis tensões nos bastidores possam ter dificultado um videoclipe presencial e optado por um live-action animado. O clipe, com uma história interessante e bizarra, narra dois amigos encontrando com as fadas em uma floresta, sendo um levado pelas fadas até um cubo mágico em que ele adentrava e desaparecia. Cabe a cada um interpretar o enredo, mas para mim, estas fadas na verdade eram anjos da morte. Convença-me o contrário!

Com pouca divulgação devido à turnê, a cobertura midiática sobre o grupo, a fanbase fiel e a imagem de Geri renderam à Viva Forever o primeiro lugar nas paradas e um dos maiores clássicos do grupo até hoje. Além de ser uma música linda. Confira logo abaixo!

As Spice Girls cometeram um crime: engravidaram!

(Fragile Films/Reprodução)

Se a saída de Geri não fosse um plot twist suficiente, foi descoberto (e vazado pelos tablóides) que duas integrantes das Spice Girls estavam grávidas: a primeira, Victoria, noiva de David Beckham na época. A gravidez dela foi anunciada através de uma manchete no Reino Unido durante a turnê nos Estados Unidos, sendo este um dos períodos mais difíceis para ela e David. Numa contextualização rápida, David na época era uma figura em ascensão por ser jogador da seleção inglesa, mas principalmente por ser noivo de uma Spice Girl. Pode ser difícil de acreditar, mas houve uma época em que Victoria era muito maior que David e, talvez, este casamento se tornou um fator fundamental em uma limpeza de imagem para o jogador e decisões estratégicas que resultaram nos ícones que se tornaram hoje. Não à toa, o casal segue junto, com quatro filhos e um conto de fadas que inspira e traz fé que um casamento pode dar certo. Ui!

Voltando, se o grupo já não era perseguido o suficiente na metade de 98, David Beckham foi expulso da copa do mundo, enquanto Victoria estava em turnê. A junção das duas notícias bombásticas deu início ao famoso apelido “Posh and Becks” pela mídia e a futura cobertura excessiva de tudo o que viriam a protagonizar na mídia. 

A expulsão de Beckham em campo foi flagrado no documentário Spice Girls na América: A História de uma Turnê, e se react hoje é uma coisa comum, imagina flagrar Mel C, apaixonada por futebol, indignada com a expulsão do seu amigo? Arte. Particularmente para Victoria, este foi um período muito difícil. Sua gravidez havia vazado sem sua autorização. A mãe de Victoria, no documentário da turnê, cita como foi triste a Posh Spice não poder contar aos amigos e família de David sobre a gravidez. Junto com a amiga, elas precisavam enfrentar críticas e acusações de que iriam influenciar jovens mulheres a engravidar.

Felizmente, Victoria comentou que descobriu sua gravidez e em seguida Mel B decidiu fazer um teste. Com xixi voando pra todo lado no banheiro durante a turnê, elas passaram a lidar com a ausência de uma amiga, uma rotina tensa e dois bebês em crescimento coreografando “Spice Up Your Life” dentro de suas barrigas até o fim de setembro.  Pelo menos naquele momento elas poderiam se apoiar – e entender – a pressão de ter uma gravidez tão exposta e criticada por motivos fúteis.

A “crise” das Spice Girls continuava em pauta com força total e o backlash de David Beckham, recentemente expulso, transformavam as quatro integrantes em fáceis presas para notícias negativas e fortes pautas para fofoca. Vale tudo pelo clickbait, não é mesmo?  

(Spice Girls/Reprodução)

Esta era caótica foi finalizada em setembro de 1998, quando o grupo retornou ao Reino Unido para as apresentações nos estádios, prometido em Abril. Embora naquele ponto já existisse um rebranding do grupo excluindo Geri dos produtos oficiais, o ingresso continha seu rosto. Neste show, era oficialmente finalizado a era “Spiceworld” e o último resquício de Geri. Existem pessoas que acreditam que um grupo acaba quando um integrante sai, mas este show era o ápice do Grupo, cantando para 60 mil pessoas no país em que nasceram e que passou 1998 ou as odiando ou pensando que iriam acabar.

Com duas integrantes grávidas e uma energia nunca vista antes, elas executaram os shows com maestria e anunciavam que não iriam se separar e que viria um novo single no Natal daquele ano. O show foi televisionado ao vivo pela Sky e com grande exposição. Geri comentou posteriormente que assistiu este show ao vivo e foi uma experiência dolorosa.

Uma experiência única para quem viveu na época, principalmente para Adele e Emma Stone que estavam na plateia, o auge do grupo era tão grande aqui que, enquanto performavam, Melanie B estava no topo das paradas com o primeiro debut solo de uma das integrantes. Junto com Missy Elliot, “I Want You Back” fazia dobradinha com o maior momento da carreira das Spice Girls.

Nesta época, contribuindo para os rumores do fim do grupo, as carreiras solos das Spice Girls estavam em fase inicial. Uma escolha estratégica para as integrantes do grupo (excluindo Geri) foi debutar com parcerias. Mel B estreou com Missy Elliot; em 1999, Emma Bunton lançou “What I Am” com Tin Tin Out e em 2000 Victoria (Beckham) estreou “Out of Your Mind” com True Steppers e Dane Bowers. Mas, voltando para 98, algumas semanas após Mel B estar no topo das paradas, Melanie C se junta com Bryan Addams para o lançamento de “When You’re Gone”. 

Goodbye, my friend

Toda a loucura de 1998 e o extremo cansaço desde a explosão do grupo em 1996 chegou em conclusão na canção “Goodbye”. Sendo inicialmente um rascunho para o albúm Spiceworld e com a participação de Geri, a canção foi repaginada durante a etapada americana da turnê de 1998 e, a partir dali, passaria a ser uma reflexão e homenagem à Geri. A canção foi co-escrita por Melanie C, Mel B, Emma e Victoria, sendo assumida por Richard Stannard e Matt Rowe. 

Por mais que naquele momento de 1998 elas enfatizassem que Goodbye não era literalmente um “Adeus”, houve uma importante e bem-sucedida campanha de marketing para o lançamento do single. Prestes a disputar o topo das paradas do Natal do Reino Unido, era curioso um grupo dizer adeus em um título após a saída de uma integrante. E, querendo ou não, é um fato até corajoso, se pensarmos que Rouge, Fifth Harmony e Little Mix não optaram por uma balada melancólica após a saída de uma integrante, principalmente no caso do Rouge, que lançou “Blá, Blá, Blá”, uma crítica pública à mídia que também as perseguiu após a saída da integrante Lu Andrade, em 2004. 

Finalmente, apresento Goodbye, uma das canções mais lindas das Spice Girls:

A letra da canção apresenta as quatro integrantes se referindo diretamente à uma garota, aconselhando e se despedindo. Em cada verso da canção as integrantes apresentavam um ponto de vista sobre a saída, iniciando com Mel B cantando fortamente um dos versos mais memoráveis da discografia do grupo:

Look for the rainbow in every storm (Olhe o arco-íris em cada tempestade)
Fly like an angel heaven sent to me (voe como um anjo que os céus enviaram para mim)

Particularmente, acho um dos versos mais fortes dentro da música. A relação de Mel B e Geri foi muito forte nos anos 90, com até uma fase amorosa entre as duas. Mel B foi durante muitos anos acusada de ser a grande culpada pela saída de Geri, devido ao seu comportamento mais explosivo – mas também podemos deixar de ser bobos e reconhecer que o racismo permitia que a mídia dos anos 90 acusasse uma mulher negra de ser a grande vilã. 

Melanie C conclui o refrão das músicas com o verso “So glad we made it, time will never change it” (Estou tão feliz pelo que fizemos, o tempo nunca mudará isso). Emma Bunton carrega as principais estrofes, com destaque para o verso:

Went into the world, what a revelation (Veio ao mundo, que revelação)
She found there’s a better way for you and me to be (Ela achou um melhor caminho para eu e você)

E finalizando, Victoria, tão próxima de Geri quanto Mel B, carrega o verso mais triste da música:

The times when we would play about (Às vezes em que nós brincávamos)
The way we used to scream and shout (Sobre o jeito como gritávamos e berrávamos)
We never dreamt you’d go your own sweet way (Nós nunca sonhamos que você seguiria seu próprio caminho doce)

Goodbye/Reprodução

Embora oficialmente para Geri, a canção, analisada entrelinhas, também mostra a posição vulnerável, esgotada e uma grande recapitulação de tudo que elas haviam vivido naquele momento. Anos depois, todas disseram, em momentos diferentes, que as coisas não foram as mesmas depois da saída de Geri. E, lidando com tantos contratos de merchandsing, responsabilidade, shows, exigência de saúde para aguentar relacionamentos e gravidez, Goodbye também significava um Adeus ao auge que viveram naquele momento. Para artistas que viveram intensamente três longos anos, uma pausa para cuidar da vida pessoal era um notório sinal que as coisas poderiam não voltar como antes. Goodbye, em uma última narrativa alternativa, conversa diretamente com Wannabe, canção que iniciou tudo e dizia que “a amizade nunca acabava”. Por ali. acabava. 

It’s not the end

“Goodbye” foi um estrondoso sucesso ao redor do mundo. Até hoje, é a maior canção do grupo no Canadá, com 14 semanas em #1. Aqui no Brasil, foi o primeiro single do grupo lançado, um fato que confundiu a cabeça de quem consumia CDs. Lembro que minha irmã possuia uma cópia e cresci entendendo que aquele era o último CD delas, com apenas três músicas e chamado “Adeus”. E para muita gente, aquele realmente foi o fim delas, já que o próximo single oficial só viria no fim dos anos 2000 e sem qualquer relação com a fase infanto-juvenil que muitos vivenciaram.

“Goodbye” foi um sucesso no Reino Unido, sendo o terceiro single do grupo a atingir o topo das paradas no Natal, e igualando um recorde com o The Beatles. A música continuou sendo um sucesso em 1999 e, após muitos meses de hiato, foi performada pelo grupo na turnê “Christmas in Spice World” (Dezembro/1999). Disse ali em cima que “Wannabe” parecia conversar com “Goodbye”, e este pensamento ganha força na turnê de 99, onde a música foi apresentada logo após o maior hit do grupo até hoje. A canção, com um coro incrível e vocais poderosos, foi finalizada com Melanie C emocionada, mostrando que a vulnerabilidade da canção ainda mexia com elas. Não é fácil seguir com um jogo de xadrez quando uma peça desaparece, e viver um grupo que era constantemente marcado pela presença de Ginger Spice era uma tarefa árdua.

Meses após, o Brit Awards 2000 chegou. Era um momento de comeback definitivo do grupo e início da nova era, mas a premiação foi marcada por rivalidades nos tablóides entre Geri e as Spice Girls. Havia uma grande especulação se a ex-integrante subiria ao palco com o grupo, pois elas foram escolhidas para receber o prêmio “Contribuição Excepcional para a Música“, um dos mais importantes dentro da cerimônia. Alcançar este feito com apenas 4 anos de carreira era incrível, e um grande marco para celebrar o impacto causado pelas meninas na metade da década de 90 em todo o mundo. Porém, além da rivalidade com Geri, a noite foi marcada por ameaças de morte à Victoria e sua família.

Em um momento do ensaio, uma explosão de fogos soou como um tiro, causando desespero na cantora e um posterior ataque de pânico. Possivelmente pelo nervosismo, os solos de Victoria foram excluídos da performance de “Goodbye”. Geri abriu a premiação naquela noite e foi embora em seguida, sem deixar margens para receber o prêmio junto com as outras integrantes. No final do dia, Victoria não teve sua vida ameaçada de fato e Mel B, ao receber sua estatueta, agradeceu publicamente Geri pela contribuição às Spice Girls.

Embora o grupo tenha continuado junto em 2000 com aparições, ensaios e um novo albúm, Forever, esta situação do Brits foi um momento triste e que provavelmente ajudou a atrasar o lançamento do CD. Indiretamente, “Goodbye” foi lead single do novo albúm, ocupando a última faixa e encerrando a discografia das Spice Girls. O grupo entrou em hiato no início de 2001 e retornou em três ocasiões pontuais nos anos seguintes: em 2007, para uma turnê especial, em 2012, para uma única performance nas Olimpíadas e em 2018-2019 para uma turnê em estádios do Reino Unido.

Epílogo: Look For the Rainbow in Every Storm 

Se todos erramos, imaginem cinco meninas pressionadas por uma fama repentina e com 20 e poucos anos, não é mesmo? 

Em 2012, após a performance das Spice Girls nas Olímpiadas de Londres, muito se especulava sobre uma nova reunião do grupo. Até aquele momento, a única vez que as Spice Girls foram de fato “Spice Girls” havia sido em 2007 e 2008. Mas, durante aquele ano, o grupo estava em partes reunido para a produção de um musical, chamado “Viva Forever!”. Assumidamente inspirado no musical de sucesso “Mamma Mia”,  Viva Forever! era liderado por Judy Craymer, também envolvida no musical (e filme) inspirado no ABBA.

Goodbye foi um dos ápices do musical, com uma performance emocionalmente misturada com “Mama”, single de 1997. No documentário “Viva Forever! The Story of the Spice Girls”, os cinegrafistas captaram Geri, Emma e Melanie C conferindo um ensaio da canção. Emocionadas, a canção mais uma vez atingiu a fundo o coração das garotas – agora mulheres orgulhosas do grupo.

Desde 2012 se especulava que Victoria Beckham era a próxima a dizer goodbye para o grupo. Durante muitos anos a mídia noticiava que reuniões eram negociadas, mas brecadas quando a proposta chegava em Posh Spice. O ápice desses rumores foi em 2016, quando um site chamado “spicegirlsgem” surgiu com um vídeo de Geri, Emma e Mel B anunciando uma surpresa para os fãs em celebração aos 20 anos do lançamento de Wannabe. Embora nunca tenha sido oficializado o que era de fato Spice Girls GEM, uma canção com as três integrantes vazou na internet e mostrava que, além de Victoria, Melanie C também havia dito adeus. Para conferir a música (ruinzinha, tadinha), clique aqui.

Reprodução/Spice Girls

Após 3 anos do cancelado projeto GEM, as Spice Girls oficializaram uma reunião no fim de 2018. Uma rápida turnê em estádios pelo Reino Unido marcaria o primeiro encontro com o grupo desde as Olímpiadas. Sem Victoria, Goodbye foi reinventada e Geri cantou o solo de Victoria. Além disso, ganhou um novo significado no último show da turnê: antes da performance, Geri pediu desculpas publicamente pela sua saída repentina em maio de 98. 

Existia uma grande lacuna no grupo pela ausência de Geri no Wembley Stadium em 1998, e aqui, finalmente Geri teve a oportunidade – e redenção – de entender o ápice de se apresentar para um grande público. E desta vez, a artista encarou um público ainda maior, que cresceu com ela, além de ter Adele e Emma Stone (ironicamente) adultas na plateia. Indiretamente, todas aquelas pontas de setembro de 1998 foram fechadas ali.

E olhando para a música e o impacto que ela causou, posso dizer que “Goodbye” é muito mais do que uma despedida. É uma música para encarar as trajetórias, os ciclos, a distância e a finalização daquilo que amamos, mas precisa deixar de existir no presente. É uma celebração do que viveu, um pedido de desculpas por um erro, uma carta de amor para aqueles que não estão mais aqui.

Já chegou no ponto que esse artigo ficou mais que gigantesco, então vou correr neste epílogo para você poder navegar no Portal! Desta vez, quero contar minha história com “Goodbye”.

(Portal Pop3/Arquivo Pessoal/Reprodução)

Durante o fim dos anos 90 e início de 2000, cresci com as músicas e vídeos das Spice Girls sendo reproduzidos na minha casa. Minha mãe conta que eu dançava junto com minhas primas e experimentava o pirulito de pêssego,  febre gastronômica e açucarada lançada em 1997. Conforme fui crescendo, o que me era oferecido musicalmente eram músicas infantis, especialmente da Xuxa (quantas fitas VHS com horas e horas gravadas de Xuxa Park). Horas jogando As Aventuras na Ilha X e assistindo ao primeiro Xuxa Só Para Baixinhos.

Minha primeira lembrança de um CD vindo de artistas “adultos” foi o CD single de “Goodbye”. Com um grande adesivo escrito “Edição Limitada”, ele foi uma herança que ganhei da minha irmã em 2002, quando estava fazendo uma limpa e jogando várias coisas fora (isso inclui os álbuns Spice e Spiceworld).

Na época, eu e minha irmã acompanhávamos o divórcio dos meus pais, um momento turbulento que envolveu mudanças repentinas e uma nova vida, confusa e estranha. Deixamos de morar em quatro pessoas para acompanhar uma família que nada tinha haver com a nossa rotina. Naquele momento até meados de 2003, aquele single de “Goodbye” me acompanhou como uma das poucas memórias de um passado vivendo em conjunto. Por várias férias, pelo menos até outubro de 2004, quando ganhei uma edição do Spice, minha irmã dominava o rádio, e quando sobrava alguns poucos minutos para mim, insistia em reproduzir “Goodbye”.

O single continha três faixas: “Goodbye (Versão para Rádios)”, a b-side “Christmas Wrapping” (na época, nem fazia ideia que era uma música masculina) e “Goodbye (Versão Orquestrada)”. Esta última raramente tinha a chance de ouvir, pois após “Christmas Wrapping”, minha irmã maldosa e imediatamente retirava o CD e colocava algum hit da época – lembro de Avril Lavigne, t.A.T.u. e Red Hot Chilli Peppers.

E minha relação com as Spice Girls era até bizarra. Eu me apeguei tanto aos resquícios que sobraram daquela girlband que passei alguns anos apagando as velas do meu bolo desejando conhece-las um dia. Desejava viver dentro dos shows dos anos 90 ou ter meu próprio Spice World.

(Spice Girls/Reprodução)

Meu carinho por “Goodbye” nunca diminuiu, se tornou oficialmente uma daquelas comfort songs que ouvimos em repeat sem nem incomodar. É também minha soundtrack quando estou me despedindo de algo. Ouvi quando pedi demissão de um fast food em 2016, quando fui embora do Brasil pro Japão em 2019 e quando fui embora do Japão pro Brasil em 31 de dezembro de 2020. É um misto de sofrência com encantamento.

E hoje, quase indo para a fase pré-30, vejo como foi uma canção que indiretamente ajudou uma criança a superar um divórcio. E que sorte minha ter sido confortado por um mundo tão colorido, pelo menos nas aparências, que elas apresentaram. “Goodbye” pode representar muita tristeza quando pensamos no que as integrantes viveram, mas acho que hoje a canção evoluiu e se tornou aquele hino para olhar com carinho para momentos difíceis que vivemos, mas aprendemos a líder e superar. Sempre procurando um arco-íris em cada tempestade, né Mel B?

Um agradecimento especial ao Matheus Benjamin, Carlos Eduardo e João Vitor que acompanharam a saga deste artigo. Não foi fácil falar da minha canção favorita, mas valeu a pena!

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Quando criança e no auge da internet discada, imitei a performance de "Naked" das Spice Girls em Istambul na cadeira do computador. Minha mãe entrou no quarto e viu a cena, foi constrangedor. Não veja essa performance no YouTube.