Admirável Chip Novo: 19 anos depois e o álbum ainda é bastante atual
Talvez Pitty não soubesse na época, mas ao lançar seu primeiro álbum de estúdio, estava marcando para sempre seu nome na história da música brasileira
Publicado em 18 de maio de 2022, por Matheus Rocha • Artigos, Retrospectiva Pop3Em maio de 2003, a baiana Pitty talvez não soubesse, mas estava marcando para sempre seu nome na história da música brasileira. Com o lançamento de Admirável Chip Novo, seu álbum de estreia, inúmeras faixas ganharam o coração dos ouvintes nas rádios, programas de televisão e seus próprios fãs. Curiosamente, 19 anos depois desse evento, é perceptível como, após muitas evoluções sociais e reflexões sobre a vida contemporânea, o trabalho em questão continua incrivelmente atual. Em meio a memes, lirismo e uma sonoridade inconfundível, que tal relembrar um dos discos mais interessantes produzidos no Brasil até o momento?

(DeckDisc/Reprodução)
Uma coleção de hits
Sempre que me proponho a escutar um álbum, embora goste mais de uma música do que outra, me sinto convidado pelo artista a realizar uma viagem. Revisitar esse admirável disco nesse momento me fez dividi-lo em três partes muito bem marcadas. Nas quatro primeiras faixas do álbum de Pitty, há uma coleção de hits: “Teto de Vidro”, “Admirável Chip Novo”, “Máscara” e “Equalize”, que, querendo ou não, seguem no repertório da artista em apresentações mais atuais. Como seria um show de Pitty sem pelo menos duas dessas canções tão marcantes e clássicas? Inimaginável, não é mesmo? Acredito, inclusive, que todas elas conseguiram furar a bolha de seus fãs e dos admiradores do gênero em que está inserido, neste caso, o rock — sim, ele mesmo! Ainda que alguns puristas venham sempre encher o saco e querer dizer o contrário.

(Twitter/Reprodução)
Dessa maneira, as músicas aqui citadas dispensam apresentações e podemos considerá-las como verdadeiros hinos. Em todas elas, é possível refletir sobre uma sociedade repleta de problemas, incluindo a falta de identidade e verdade nas relações interações humanas. Enquanto “Teto de Vidro” aborda temas como hipocrisia e julgamento, com uma sonoridade agressiva e guitarras encatadoras, “Admirável Chip Novo” empresta o título do livro de Aldous Huxley para pensar sobre a tecnologia, que estava ficando cada vez mais presente na vida das pessoas naquele momento. De certo modo, Pitty poderia estar prevendo o futuro ao especular sobre como nosso comportamento mudaria drasticamente a partir de uma sociedade cada vez mais conectada — aquilo que nos une, também nos separa.
Dançante e reflexivo
Na sequência desses clássicos, “O Lobo”, “Emboscada” e “Do Mesmo Lado” seguiam com uma narrativa crítica. Mas considero todas essas faixas muito dançantes em alguma medida, sobretudo por sua batida frenética e refrões engajados. “O Lobo” entrega o filósofo inglês Thomas Hobbes para os ouvintes em uma viagem pela história para corroborar uma tese muito contemporânea; “Emboscada” parece conversar com tudo aquilo que já havia sido estabelecido nas composições e “Do Mesmo Lado”, mesmo melancólica, consegue agradar e colocar o público para pensar, ouvir e viver a música.
“Quem chegou a ouvir o som
Quem ligou se tá no tom
Quem não viu e mesmo assim falou
Quem tomou e não gostou” — “Do Mesmo Lado”, Pitty.
Um desfecho com chave de ouro
Para fechar essa lista de reprodução tão impactante, “Só de Passagem”, “I Wanna Be” e “Semana que Vem” assumem a tarefa com êxito. É possível afirmar que a letra dessa primeira é uma nova versão de “Máscara”, refletindo sobre as mesmas questões, mas por um novo ponto de vista — incluindo uma aura meio sobrenatural. Poderíamos deixá-la na área de músicas dançantes do álbum, afinal, sua batida contagiante continua a fazer o corpo querer se mexer em todos os seus dois minutos. Não podemos deixar de lembrar que os espíritos são livres, espíritos passeiam por aqui.
Na sequência, “I Wanna Be” brinca com jogos de palavras e repetição intensa em um refrão divertido. Contudo, o mais interessante da música talvez esteja em sua quebra sonora, que traz um frescor surpreendente à composição. Os instrumentos, sempre em sintonia, são frenéticos. É uma pena que a canção tenha sido deixada de lado no repertório atual. Mas ainda assim, o álbum encerra lindamente com a enfática “Semana que Vem”, um outro hit importante para a carreira de Pitty, que mostra sua genialidade enquanto criadora.
“Não deixe nada pra depois
Não deixe o tempo passar
Não deixe nada pra semana que vem
Porque semana que vem
Pode nem chegar” — “Semana que Vem”, Pitty.
Sobram elogios para definir esse trabalho tão especial que abriu muitas portas à artista e sua banda. Na época, os vocais estiveram por conta de Pitty, contando com Peu Sousa nas guitarras, Joe no baixo e Duda Machado na bateria. Com produção de Rafael Ramos, a mídia física alcançou a marca de mais de 350 mil cópias vendidas. Parece que foi ontem, não é mesmo?