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Be The Cowboy e a jornada solitária de Mitski (Review)

Em seu quinto álbum de estúdio, a artista explora novas sonoridades que acertam em cheio.

Publicado em 4 de março de 2022, por (G)old, Reviews

Em 17 de Agosto de 2018, Mitski Miyawaki lançou seu quinto álbum de estúdio: ‘Be The Cowboy’. Procedendo o ‘Puberty 2’, seu quarto álbum que fora lançado em 2016, a artista brilha mais uma vez por uma escrita a frente de seu tempo e profunda como em todos seus outros trabalhos. Aos 27 anos, a cantora-compositora retrata uma busca solitária, desesperadora e inquietante no amor.

Esta review tem como objetivo, além de promover o trabalho da Mitski, também aprofundar os sentimentos que ela quis transmitir com o álbum – levando em consideração desde as letras até a sonoridade das músicas. Para fazer isso, o texto irá expor e trabalhar cada uma das canções da obra da artista e esperamos que vocês curtam. Bem vindos ao Be The Cowboy: faixa-a-faixa.

Sua música de abertura e primeiro single do longa é “Geyser”. Mostrando sua devoção completa ao seu parceiro, Miyawaki constrói uma música realmente parecida com um gêiser. Guitarras carregadas e baterias presentes são o suficiente para criar uma atmosfera em que o sentimento vai crescendo até que ele entra em erupção e libera tudo aquilo que estava guardado. O clipe da música representa bastante essa dedicação extrema da cantora com seu amante – assim como todos os trabalhos da cantora, o clipe mostra seu lado performático em ação.

Seu maior hit do álbum “Nobody” foi o segundo single, lançado em 26 de junho de 2018. Com um refrão grudento no qual Mitski apenas deitou-se no chão de tanta solitude e passou a cantarolar a palavra Nobody (ninguém em inglês). A cantora, de maneira bem simples, retrata a sensação de estar sozinho no mundo e tão sozinho que você tem de abrir a janela para verificar se existem outras pessoas no mundo. A música hitou no tiktok e garantiu o dinheiro para a produção do próximo álbum que estou esperando ansiosamente.

Acompanhada da produção totalmente descontraída e cativante em “Why Didn’t You Stop Me”, a cantora indaga o questionamento do porque seu ex-companheiro que você rejeitou não correu atrás de você. Não abandonando seu puro rock and roll, Mitski adiciona novos elementos na canção do synth-pop que me lembram muito os trabalhos da St. Vincent no álbum MASSEDUCTION.

Numa metáfora sobre uma pérola que você não pode soltá-la, ‘A Pearl’ expõe um lado vulnerável da artistas sobre as dificuldades de entrar em outros relacionamentos após vivenciar uma relação tóxica.

It’s just that I fell in love with a war
And nobody told me it ended
And it left a pearl in my head
And I roll it around
Every night, just to watch it glow

De autossabotagem, Mitski entende. Em ‘Lonesome Love’ a cantora acredita que ninguém f*de ela como ela mesmo (‘Cause nobody butters me up like you, and Nobody fucks me like me). Num encontro com seu ex-namorado, onde o propósito era mostrar como está bem e seguiu em frente, tudo dá errado a partir do momento que a artista o vê. Em “Old Friend” a artista também fala sobre encontrar um parceiro passado que você não superou. E na minha visão, essas duas músicas conectam-se muito bem já que ela não consegue deixar uma pessoa que ela amou muito ir embora, mesmo que ela já esteja em outro relacionamento. Esta autossabotagem e reencontros com algum “velho amigo” sempre irá acontecer.

(Foto: Bao Ngo / Reprodução)

Em “Remember My Name”, apesar do álbum tratar sobre relacionamentos amorosos, em uma entrevista com a ‘The 405’ Mitski relatou que essa canção fala um pouco mais sobre a vontade que ela tem de ser eterna e ter um companheiro ao seu lado para testemunhar tudo isso (suas conquistas). Tratando sobre a colisão entre realidade e a vontade de não ser esquecida.

O terceiro maior hit do álbum, “Me and My Husband” apesar de uma sonoridade divertida e despreocupante, a música traz uma ironia em sua letra. Além de dar continuidade ao tema iniciado em ‘Remember My Name’ e ‘Nobody’, a canção retrata de maneira mais complexa a solidão que a cantora sente. A ironia vem a partir do momento que a cantora afirma que apesar de tudo, ela continuará naquele relacionamento com seu marido até o fim de sua vida. Afinal de contas, ela apostou tudo na relação, mesmo com frustrações e outras coisas no meio do caminho.

“It’s always been just him and me
Together
So I bet all I have on that
Furrowed brow
And at least in this lifetime
We’re sticking together”

Mitski em “Come Into The Water” mostra a necessidade emocional da cantora com seu parceiro. Ela precisa que ele demonstre seus sentimentos e mergulhe na água/relação para que ela possa dar continuidade e deixar que as coisas fluam naturalmente. Além disso, a cantora compara suas letras com a de alguns artistas homens que ela considerava medíocres antes, e pergunta-se ela não terminará como eles, já que o Be The Cowboy é cheio de relatos sobre sonhos, lamentações e decepções. Surpreendentemente, a música tem apenas 1 minuto e 32 segundos, mas aborda tais temas com tamanha facilidade apesar de sua curta duração. Entretanto, essa curta duração é acompanhada de um ritmo mais lento quando comparado com as faixas anteriores – permitindo que você afunde na água profunda que a artista propõe.

“Maybe I’m the same as all those men
Writing songs of all they’re dreaming
But would you tell me if you want me?
‘Cause I can’t move until you show me”

As faixas, respectivamente 10 e 11, representam momentos mais introspectivos no álbum. Com uma declaração romântica em “Pink In The Night” (faixa 10) a artista imagina uma pessoa que está tão apaixonada que chega a brilhar rosa em seu quarto. A canção é construída ao redor de baterias e algumas repetições de palavras, mas que não cansam.

(Foto: Handout / Reprodução)

Em seguida, tem-se “A Horse Named Cold Air”. A música construída ao redor da voz cintilante de Miyawaki imagina uma metáfora que captura bem o sentimento do álbum no geral segundo a compositora. Em uma entrevista para a Exclaim, Mitski disse:

“That encapsulates the album a lot.
A horse that used to be young, used to be vibrant, but now is sort of still and cold and old.”
“Essa música resume muito bem o álbum.
Um cavalo que costumava ser jovem e vibrante, mas agora está meio parado, frio e velho.”

Deixando os momentos introspectivos de lado por alguns minutos, Mitski apresenta-nos um pop um pouco mais psicodélico que lembra uma máquina de lavar em “Washing Machine Heart”. Propositalmente essa sonoridade é uma representação sobre como jogamos qualquer coisa em nosso coração, não importando se é algo bom ou negativo, e esperando que ele lide com isso, da mesma maneira que jogamos nossos sapatos sujos em máquinas de lavar. A sonoridade também pode ser, de acordo com a cantora, o batimento do coração tão alto que está fazendo ‘DUN DUN DUN DUN’.

Seguindo a vibe psicodélica, Miyawaki representa sua completa loucura pedindo apenas um beijo para que ela se sinta normal em “Blue Light”. Ao fim da faixa é possível ouvir um barulho de uma TV ligada de fundo que constrói toda a arquitetura imaginativa da música. Uma casa totalmente escura, com apenas uma TV aleatória ligada que forma uma faixa de luz azul no meio da escuridão e nesse cenário, você dança sua loucura.

Para a conclusão do disco, Mitski propõe “Two Slow Dancers”, que foi também o terceiro single do álbum. Lançada em 9 de agosto de 2018, a música dispõe-se de um conto em um ginásio escolar onde dois antigos amantes encontram-se e lembram-se de suas histórias passadas. Os dois antigos amantes, apesar do tempo passado e sabendo que o sentimento não existe mais, numa simples dança tentam reviver suas memórias por alguns segundos na qual a juventude era mais simples. A canção possui uma das composições mais lindas do álbum e felizmente tem quase quatro minutos de duração, sendo a maior faixa de todo o CD.

“It would be a hundred times easier
If we were young again
But as it is and it is
We’re just two slow dancers, last ones out”

Apesar da não linearidade do disco, a retratação das histórias vivenciadas pela artista e suas análises compensam esse aspecto – que não necessariamente é um problema. Seguindo a ordem de seus trabalhos, a artista não para de melhorar liricamente e em questões de produção. Entretanto, mesmo que a artista execute tudo com maestria e de maneira inovadora em sua obra, as faixas do disco poderiam ser maiores – digo isso pois muitas das faixas encerram de maneira repentina e abrupta. O excelente Be The Cowboy é um álbum de 2018 que deixará um legado na carreira de Mitski e não envelhecerá tão cedo, sendo um dos grandes trabalhos que a artista deixou para nós.

Be The Cowboy
Mitski
2018
Dead Oceans
Indie rock, art pop

9.5


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Apaixonado por música e viciado em last.fm. Amo cinema e o mundo pop no geral. Ah, e também sou biólogo.