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Camila Cabello resgata suas raízes e se encontra em Familia, melhor disco de sua carreira (Review)

Com produção simplista e bem amarrada, a artista cubana abre seu coração e expõe fragilidades, sentimentos e dores ao longo de 12 faixas

Publicado em 9 de abril de 2022, por Lançamentos, Reviews

Nesta sexta-feira (8), Camila Cabello disponibilizou o aguardado e misterioso álbum Familia, seu trabalho mais sincero e rico até então. O terceiro disco de estúdio da cantora, criado a poucas mãos e com mais honestidade e carisma que seus antecessores, explora mais do que nunca suas raízes cubanas sem reforçar estereótipos.

Criado para ser um diário aberto, Familia traz a sensação de frescor e leveza que tanto faltou em Romance, segundo CD da cantora, no qual a bagunça na produção, as escolhas duvidosas de singles e a estética altamente criticada – apontada como plágio de diversos outros artistas, inclusive – resultaram em uma era complicada, sem grandes destaques, além da esgotável parceria com o ex-namorado Shawn Mendes em “Señorita”. Inclusive, me pergunto se alguém ainda ouve essa música por prazer em 2022.

Reverencie suas raízes – e crie algo surpreendente!

Com uma ampla variedade de referências latinas nas canções, o disco é uma agradável surpresa nesse primeiro semestre. Sem sabermos o que esperar, Familia surpreende justamente por não ter gerado expectativa. Seu primeiro single, “Don’t Go Yet”, lançado há quase 9 meses, teve uma participação tímida nos charts, alcançado o pico de #42 na Billboard Hot 100, principal parada de singles dos Estados Unidos – mercado que já abraçou Camila com facilidade e empolgação no passado. Apesar dos mais de 260 milhões de streams apenas no Spotify, a música passou quase batida entre os lançamentos do último ano.

Com o fraco desempenho do lead, a gravadora de Camila acendeu o sinal vermelho e seguiu aperfeiçoando o disco até que estivesse pronto para o mercado. Fato é que a espera valeu a pena, e em 12 canções nos deparamos com uma Camila sensível, amorosa, vulnerável, simples e, acima de tudo, familiar.

O conceito aconchegante do disco faz jus à produção enxugada e intimista, que traz poucos e bons nomes como Scott Harris, Eric Frederic e Ricky Reed. Camila assina como compositora principal em todas as canções, feito que prova uma autonomia mais concreta e mais confiança por parte da sua gravadora, Epic Records.

Família que canta unida, permanece unida

Seja de sangue, de alma ou de escolha, a família é o alicerce mais poderoso que nós temos. Apesar de ser uma temática incansavelmente utilizada, neste trabalho ela cabe perfeitamente. A artista trouxe familiares para participar dos vocais, além de homenagear seus laços através das composições mais profundas. Por falar nas letras, em alguns momentos temos até a sensação de que somos vizinhos bisbilhoteiros que assistem aos dramas das casas próximas com um balde de pipoca no colo.

Segundo Camila, a idealização do álbum veio no primeiro ano da pandemia da covid-19, quando a artista teve sua turnê cancelada e toda a divulgação de seu disco interrompida. Voltando para casa e reconectando-se ao lar, Cabello conseguiu extrair seus mais intensos sentimentos desse período e transformá-los em canções suaves e bem resolvidas. Segura de si, a cantora comentou sobre a felicidade e a satisfação em ter lançado o novo trabalho

Obviamente, eu quero fazer boas músicas, mas para mim, é como se eu tivesse num momento bom hoje no estúdio e me sentindo segura e relaxada e sentindo que estou sendo fiel a mim mesma.

Mi amor, eu sou Latina!

“Familia”, a intro de 17 segundos guiada por um potente saxofone, nos leva até uma das melhores canções, não só do disco, mas de toda carreira de Camila: “Celia” é uma produção inteiramente em espanhol, um pop latino refinado e bem dosado, sem exageros em nenhuma parte. Cantando sobre a fase inicial de um relacionamento, a mais gostosa de todas elas, Cabello nos faz lembrar como é estar recém-apaixonado.

Em seguida, WILLOW se junta à artista cubana em “psychofreak”, uma parceria inusitada, mas interessantíssima, que ganhou um clipe disruptivo e simplista. A letra propõe um questionamento acerca da carreira, vida amorosa e saúde mental da cantora, com direito à referências diretas sobre a polêmica saída do Fifth Harmony. O refrão é comandado pela inconfundível voz de WILLOW, e traz um equilíbrio magnético entre duas artistas muito distintas.

A próxima canção do disco, também uma parceria, já é conhecida do público e se tornou queridinha dos fãs nas últimas semanas. “Bam Bam”, com Ed Sheeran, foi inserida no disco quase de última hora, sendo a canção final produzida do Familia. Particularmente, acho um dos pontos fracos do CD, que em meio a tantos lados positivos, se rendeu à necessidade de um hit radiofônico para atrair atenção.

Por sorte, Camila retornou ao conceito em “La Buena Vida”, canção que mistura inglês e espanhol e traz robustas referências da música cubana. A faixa seguinte, que marca a metade do disco, é também minha favorita em toda a produção: “Quiet” é uma balada fresca e apaixonada, que pincela  (in)diretas ao relacionamento de Camila com Shawn Mendes. Torço muito por um clipe para essa, mesmo sabendo que as chances de acontecer são mínimas.

Acompanhada de um instrumental bem elaborado, Camila entoa vocais mais fortes em “Boys Don’t Cry”, música que reflete sobre a masculinidade e a dificuldade em demonstrar-se vulnerável. O título é um spoiler muito claro do conteúdo da canção.

Após cantar sobre o início de uma paixão, a artista apresenta em “Hasta Los Dientes”, parceria com a artista argentina Maria Becerra, uma letra que discorre sobre os sentimentos agridoces de uma relação mais avançada: ciúmes, desconfiança, insegurança e até um pouquinho de obsessão. Apesar da letra pesadona, o ritmo leve, contagiante e dançante faz parecer que a música trata-se de algo positivo e alto astral. Dica: não se trata. Aliás, o conceito de fofura com canetadas arrebatadoras é algo que faz falta no pop (saudades Lily Allen e Melanie Martinez). A faixa seguinte, “No Doubt”, traz uma proposta similar: como lidar com a mania de controle em um relacionamento e com as questões que criamos quando estamos sozinhos com nossos pensamentos.

A décima faixa é a já citada e conhecida “Don’t Go Yet”, que aposta em um ritmo explicitamente latino e traz visuais coloridos e grandiosos. A penúltima canção do disco é também a mais pessoal de todo o CD. Em “Lola”, parceria com o cantor cubano Yotuel, Camila homenageia sua mãe e conta a história da mulher que a deu a vida, sua batalha como imigrante nos Estados Unidos e as dificuldades enfrentadas para dar o melhor à sua família. Ah, a família…

Fechando o disco, a belíssima “everyone at this party” apresenta um dilema que todos nós já vivemos: o fim de um relacionamento, e como lidar com os sentimentos dolorosos, com o possível encontro com o ex-amor e a superação. Os vocais da cantora estão limpos e polidos, importante detalhe que faz da canção ainda mais atraente aos ouvidos.

No fim das contas, nossa Família é tudo que temos

Ao longo de doze faixas, Camila apresenta sentimentos orgânicos, sinceros e bem desenvolvidos. O amadurecimento pessoal da cantora é evidente, e reflete em sua arte atual, entregando um projeto coeso, interessante e leve. Aliás, o contraponto da leveza mesmo que em composições muito profundas, é o ponto alto da produção: nada aqui parece forçado, tudo tem um propósito.

Aparentemente muito mais consciente de si e sem assumir uma postura que não lhe cabe, Camila Cabello lançou o melhor disco de sua carreira. Familia é um apanhado de questões pessoais, sentimentos honestos e um olhar verdadeiro para as raízes da cantora. Um disco que mostra que a simplicidade e a vulnerabilidade podem ser grandes aliadas para um resultado surpreendente.

Familia
Camila Cabello
2022
Epic Records
Pop, Latin Pop

8.5


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Apaixonado por cultura pop, literatura, entretenimento e baboseiras úteis. Se Fernanda Young e Katy Perry tivessem tido um filho, seria eu.