Com Matriz, Pitty apresenta suas referências internas e traz grandes discursos (Review)
Matriz é o quarto álbum de estúdio de Pitty, contando com composições próprias e de amigos
Publicado em 13 de março de 2022, por Matheus Rocha • (G)old, ReviewsNo dia 26 de abril de 2019, a cantora Pitty lançou um novo trabalho de estúdio. Intitulado Matriz, o álbum que resgata algumas das raízes da artista baiana traz um misto de ritmos e sonoridades, fazendo o público refletir em diversos momentos ao mostrar que todos nós possuímos uma grandiosa bagagem adquirida ao longo dos anos.
Matriz, de Pitty, mostra as raízes da cantora baiana
Pitty está de volta, depois de quase 5 anos (um período quase exato que ela nos deixou de Chiaroscuro até SETEVIDAS) com Matriz, que acima de tudo é um álbum de rock. Em algumas entrevistas, a cantora afirma que este trabalho foi construído aos poucos e sem muitas coisas definidas, o conjunto foi se apresentando à banda e tudo foi se encaixando para contar uma história. E com “Bicho Solto”, a abertura do disco não poderia ser melhor.
Eu me domestiquei
Pra fazer parte do jogo
Mas não engane maluco
Continuo bicho solto.
O recado está dado para quem não percebeu antes: nesse novo álbum teremos uma apresentação de coisas que sempre estiveram com a cantora mas que de alguma forma só poderiam sair nesse momento. Com um sample da icônica “Noite de Temporal”, de Dorival Caymmi, a poesia se consolida ao fazer um grande discurso introdutório. E essa faixa está presente, inclusive, no trailer de lançamento do disco, escancarando a questão das raízes baianas. De forma semiótica, pode-se prever um pouco da energia que a artista trará com sua matriz, incluindo uma reconstrução da capa do disco que traz muitos ares dos anos 90, um período bastante importante para Pitty.
Em “Noite Inteira”, com participação do cantor baiano Lazzo Matumbi, as críticas começam a surgir. O single divulgado pouco menos de um mês do lançamento do álbum traz um refrão delicioso e uma batida que lembra em muito a salsa. Os discursos mais uma vez se fazem presentes e a voz potente de Lazzo os intensificam. É uma faixa que traz uma vibe bastante urbana, algo que seu clipe em animação corrobora.
Não peço que concorde
Não me impeça que eu fale.
Entendo que discorde
Não espere que eu me cale.
Já com “Ninguém é de Ninguém”, temos uma pegada do technobrega em parceria com Daniel Weskler, seu marido e atual baterista de sua banda, e no cover de “Motor”, de Teago Oliveira, da banda Maglore, encontramos uma balada com pegada romântica, que pode nos remeter a outros sucessos de Pitty como “Equalize” e “Na Sua Estante”. No mesmo período, Gal Costa apresentou-se com essa mesma canção em sua nova turnê. Uma nota sobre o inconsciente coletivo musical baiano.
Em “Roda”, que vem logo em seguida da vinheta “Saudade” e precede a vinheta “Azul”, há uma parceria robusta com a banda Baianasystem. Na letra, Pitty apresenta o enlace entre a cultura baiana e os shows de hardcore, que, provavelmente ,durante toda a sua adolescência foi algo recorrente. Nessa faixa, ainda podemos perceber a grande potência dos vocais e das guitarras dos artistas aqui envolvidos.
“Bahia Blues” apresenta uma viagem da cantora relembrando a cidade de Salvador com certo saudosismo, outrora cantada em crueza na potente “Sob o Sol”, lado B do single” Fracasso” lançado em 2009. Com uma certa melancolia, a letra mostra o eu-lírico fazendo as pazes com seu local de origem, citando diversos bairros e locais famosos da cidade. “Redimir” tem ares de Caetano e Gil, com uma letra, mais uma vez, com potentes discursos.
Se era pra sangrar, já sangrei.
Se era pra perder, já perdi.
Se era pra chorar, já chorei.
O que mais falta pra eu me redimir?
“Te Conecta” é um acalanto, um single lançado antes mesmo do álbum como um todo, com a pegada do reggae e a vontade de se conectar novamente com o seu eu-interior. Com a gravação de “Para o Grande Amor”, composta por Peu Gomes, antigo parceiro de banda de Pitty, a cantora mais uma vez mostra a importância do companheiro em forma de música. Vale lembrar que em SETEVIDAS, de 2014, “Lado de Lá” foi em homenagem a ele. A canção pode ser categorizada também como balada romântica que tem arranjos dançantes e esperançosos; algo que também é bem Matriz.
Para falar de seu período em hiato, além do documentário em curta-metragem Do Ventre à Volta, a faixa “Submersa” parece trazer uma angústia em não conseguir encontrar mais os caminhos a serem seguidos depois de um período de mudanças. A canção é repleta de uma sonoridade que remete a alguns rocks noventistas, apostando em uma letra melancólica. O disco encerra-se com “Sol Quadrado”, que Pitty já revelou ter feito parte de uma demo entregue ao seu produtor Rafael Ramos na época de seu primeiro CD, o já clássico Admirável Chip Novo. O reggae que também tem um discurso potente apresenta, de certa forma, algumas possíveis inseguranças alheias que não se intensificam em virtude da confiança da artista em seguir seus planos.
Matriz é uma renovação estilística, mas ao mesmo tempo uma vontade de dizer algumas coisas que sempre estiveram lá e só agora, como mencionado antes, poderiam ser efetivamente mostradas. Pitty não repetiu fórmulas desde seus grandes sucessos até agora e sempre se renovou, fazendo com que seu repertório se enriquecesse e seu amadurecimento musical se intensificasse. Neste novo trabalho é perceptível a força de suas composições, além de uma sonoridade quase impecável. Merece ser ouvido, degustado e aproveitado, afinal de contas há muito nas entrelinhas. Em um primeiro momento, podemos nos assustar com a quantidade de informações, mas é um álbum que estará para ser curtido calmamente e como foi feito.

(Deckdisc/Reprodução)
Nota: alguns fãs muito íntimos descobriram a demo de algumas canções que não entraram para o disco, como da já famosa “Controle Remoto”, que esperamos ser lançada em breve. Vale lembrar que entre SETEVIDAS e Matriz, a cantora lançou “Na Pele” com Elza Soares (que segundo consta, era uma faixa que não havia entrado anteriormente em SETEVIDAS), uma regravação de “Dê um Rolê”, dos Novos Baianos, “Contramão” em parceria com Tassia Reis e Emily Barreto, além da própria “Te Conecta” que integrou posteriormente Matriz.

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