Em Lately I Feel Everything, Willow mostra como a resiliência é necessária (Review)
Willow prova amadurecimento e apresenta-se como uma das melhores artistas do Pop Rock contemporâneo
Publicado em 5 de maio de 2022, por Matheus Rocha • (G)old, ReviewsO que seriam de nós sem os artistas durante esses dois anos de pandemia? Certamente, vou me lembrar da Willow por me ajudar a sair do marasmo e também refletir sobre diversos momentos em que passava na vida. Em julho de 2021, a jovem artista lançava seu quarto álbum solo de estúdio, contando com composições próprias, um estilo potente, letras interessantes, autoafirmação e dinamismo. Nesse sentido, Lately I Feel Everything (Ultimamente, eu sinto tudo, em uma tradução literal) aposta em uma narrativa repleta de discursos e reflexões que podem persistir no cotidiano de qualquer pessoa. A fácil identificação com o público é talvez um dos seus pontos mais sólidos.
O lead-single, que também abre o disco, é a contagiante “t r a n s p a r e n t s o u l”, cuja melodia provocativa exalta os vocais da cantora — algo recorrente no álbum —, mas também evidencia acordes e riffs poderosos. A canção é uma parceria entre Willow, o baterista Travis Baker — da Blink-182 — e Tyler Cole. Nesse primeiro momento narrativo, que também é acompanhado por um videoclipe cheio de nuances e cores, Willow aborda fases diferentes de si mesma ao contrastar com suas relações interpessoais. Seria uma forma de falar sobre responsabilidades afetivas? Se não nesse momento, em breve essa questão ressoará mais uma vez.
Na sequência, uma espécie de interlúdio se inicia de forma inesperada e quase grudada à música anterior. Os primeiros segundos de “F**k You” mostram um diálogo. A composição é simples e praticamente gritada durante sua minutagem. Mais uma vez, é perceptível que o discurso seja muito importante nesse instante, sobretudo por trazer uma melodia agitada e frenética, lembrando, em alguma medida, da divertida confusão das primeiras canções de The Anxiety, o álbum colaborativo da artista com Tyler Cole, lançado em 2020.
A parceria com Travis Barker retorna em “Gaslight” (ou Distorção, em português). De certa maneira, o título aborda uma palavra bastante discutida nos últimos tempos, sobretudo em uma era de reality shows e redes sociais. Trata-se de uma forma de abuso psicológico cunhado, justamente, em distorção de ideias e confusão mental. Na composição, o eu-lírico faz um relato honesto sobre o que estaria vivendo nas mãos de uma pessoa que pratica distorções a todo instante. E nesse conflito pessoal e interno, duas passagens específicas se destacam, no caso:
“Or am I insane” (Ou eu estou louca)
e ainda
“I’ll just love me instead
Love me instead
Love me instead” (eu apenas vou amar ao invés disso, me amar ao invés disso, me amar ao invés disso)
Esse conflito é bastante interessante, destacando mais uma vez a narrativa proposta inicialmente pela artista no início do álbum, sobretudo pela repetição. Tratando de assuntos como responsabilidade afetiva, emocional abalado, traumas passados e resiliência, os discursos parecem crescer em uma constante cativante, cuja sonoridade impressiona por sua agilidade. Contudo, isso pode ser irritante ao pensar na era em que o álbum está inserido — a canção com maior duração tem menos de quatro minutos! Essa clara influência pela rapidez no que podemos chamar de “Geração TikTok” pode dar a sensação de algo vazio e sem envolvimento ou profundidade. Entretanto, não acredito que esse seja o caso do álbum, pois mesmo em poucos minutos consegue produzir algo pungente.
Uma quebra narrativa?
A quarta faixa, intitulada “don’t SAVE ME”, brinca com a sonoridade de um jeito particular. Exaltando os instrumentos principais e a distorção da voz da artista, Willow discusa novamente sobre seu próprio reconhecimento e poder. O eu-lírico parece realmente estar ciente dos seus problemas internos e busca racionalizar para tentar se curar. Essas palavras-chaves estão presentes ao longo de todo o disco. O ponto alto da música em questão, entretanto, é o solo de guitarra constrastado a um baixo potente e quente, além da percussão, que serve como um guia para, mais uma vez, trazer repetições — neste caso, do próprio título da canção.
Embora pareça tratar de uma quebra de narrativa, comum no cinema e também na televisão, o álbum surge com a balada “naïve” para surpreender em uma melancolia exacerbada, porém muito inteligente. O refrão, apesar de simples, carrega vocais extensos e instrumentos em uma pegada grunge. Apesar de também ser curta, a mensagem é mais do que clara, mostrando quase um pedido de socorro, porém em uma forma diferente da já abordada em “Gaslight”. Com a faixa seguinte, mais uma vez a tentação da quebra de narrativa aparece novamente. Contudo, a história continua a ser contada.
Dentro desse contexto, “Lipstick” destaca o intrumental, os vocais e, por último, o discurso. O refrão potente aborda a voz da artista de um jeito enigmático e dinâmico. As dores são expostas com marcas e cicatrizes intensas; assim, a cada nova batida frenética percebemos que é preciso olhar para si mesmo em busca da cura. O que fizeram com a gente não pode nos definir em nenhum momento. Mas como programar nosso cérebro para conseguir efetivamente lidar com tudo isso? Racionalizar demais pode ser instintivo, mas o inconsciente também está presente e recaídas são passíveis de ocorrer. É o que “Come Home”, parceria com Ayla Tesler-Mabe, aborda.
Escutando o álbum pela primeira vez, essa havia se tornado minha canção favorita até então, sobretudo por conta da sonoridade agressiva e constante. Guitarras nada suaves e batidas interessantes pareciam perfeitas quando contrastadas aos vocais de ambas as cantoras, bem como uma letra profunda e de fácil assimilação. “Come Home” possui uma grande importância para o contexto geral e, quando inserida nesse ponto, trata-se de uma escolha assertiva em todos os termos.
E a minha nova queridinha é “4ever”. Uma baladinha deliciosa e discursiva. Funciona como um grandioso tapa na cara, sobretudo para quem havia se iludido em algum ponto dessa viagem. Em “Come Home”, o inconsciente protagoniza, mas logo em seguida há a voz da razão nos dizendo o que realmente vem acontecendo. “4ever” não deixa o rock de lado, mas surge com uma sonoridade agridoce, quase romântica e que beira uma fantasia recorrente. Repetições continuam a reverberar — confesso que a versão ao vivo me cativou quase tanto (ou ainda mais) do que a faixa original em estúdio.
“I know, you know, we know, this can’t last forever”
Se reconhecer é muito difícil, mas com algum esforço (e terapia) é possível. Se o álbum te deixou para baixo nesse momento, acalme-se! Realmente, “4ever” é triste, intensa, palpável e chorável, contudo, “XTRA”, uma parceria com a rapper Tierra Whack, que vem logo na sequência, parece querer te abraçar. Embora soe agressiva em algum nível, principalmente quando Tierra Whack tem mais espaço na interpretação, iniciar a faixa com um refrão já evidencia a grandiosidade da música. O que mais cativa, nesse sentido, é a voz da consciência dizendo que está bem. Embora sentir tudo de uma única vez possa ser desgastante, a resiliência é necessária para a superação.
Em “G R O W”, parceria com Avril Lavigne e Travis Baker, é possível sorrir. A sonoridade contagiante e com muita referência às bandas de rock dos anos 2000, mostra como Baker e Lavigne foram essenciais para essa faixa. Inclusive, um videoclipe já foi lançado para a canção, mostrando, de um jeito irreverente e literal, como crescer é importante. Essa estética invade os ouvidos com um discurso sobre amadurecimento e, pela primeira vez, fala sobre como nossos sentimentos podem ter sido esmagados e que há ciência sobre se curar.
“I’ve been really searching
Emotional wealth
Honestly my heart is broke”
Para fechar com chave de ouro, “¡BREAKOUT!” mostra que as influências noventistas e da virada do milênio foram importantes para todas essas criações. Composta por Willow, Tyler Cole e Clementine Creevy, da Cherry Glazerr, há muitas distorções vocais e melódicas, além de xingamentos e autoconhecimento. De certa forma, é como reencontrar-se com o seu próprio eu do passado para fazer questionamentos. No fundo, a autoafirmação também está presente, bem como a vontade intensa de fugir para bem longe e conseguir ver a tão sonhada superação acontecer. Guitarras mais do que agressivas, um tempo acelerado e muita potência representam esse desfecho.
Por fim, Lately I Feel Everything demonstra o amadurecimento da artista enquanto compositora, apresenta uma narrativa viajante e discursiva com alguns erros e muitos acertos, para proporcionar a melhor experiência possível aos seus ouvintes. Mesmo que tudo passe tão rápido e seja um tanto quanto distante em termos sonoros de outros trabalhos, ao final, a mensagem que fica é que nada é espinhoso demais que não possa ser vivido, sofrido e, enfim, superado. A resiliência é necessária em todos os sentidos e se conhecer, talvez, seja a principal chave para isso.

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