MOTOMAMI é a brilhante representação da complexidade e estilo de Rosalía (Review)
Ousado e autêntico, o disco que parecia apenas camp na verdade vai muito além da estética
Publicado em 5 de abril de 2022, por Carlos Bueno • Lançamentos, ReviewsRosalía lançou seu terceiro álbum de estúdio no dia 18 de março de 2022. Intitulado MOTOMAMI, a cantora, produtora e compositora espanhola anunciou o nome do trabalho nas redes sociais através de um vídeo no dia 02 de novembro (confira abaixo). Assim, o disco se tornava um dos lançamentos mais aguardados do ano e dava um gostinho daquele que viria a ser o melhor projeto da artista.
Mas o que significa seu título? Sua alcunha se deu pela junção de duas palavras diferentes que refletem a construção do projeto. Uma parte mais agressiva, ousada, experimental — “MOTO“. “MAMI“, por outro lado, aborda as vertentes mais pessoais e vulneráveis de Rosalía.
Seu segundo disco, El Mal Querer, garantiu uma enorme visibilidade à cantora, e foi importante como divisor de águas, pois ultrapassou sua pequena bolha na época. Recebendo elogios de artistas como Billie Eilish e Pharrell Williams, a barreira linguística existente aos poucos vinha se desconstruindo. A cantora possui em sua discografia grandes featurings, como nomes como Travis Scott, The Weeknd e J. Balvin.
O disco é aberto com “SAOKO”, um dos singles lançados previamente. A música é uma homenagem a “Saoco” — faixa de Wisin e Daddy Yanke. Surpreendentemente, a artista faz uma mistura de jazz clássico com sons de baixo carregados e sintetizados, lembrando o escapamento de motos, proporcionando um mix excitante e clássico ao mesmo tempo. Mais que isso, Rosalía fala sobre a necessidade de representar seu estilo por si mesma, de forma simples e direta: mandando o estilista se f****. Estilo esse bastante enfatizado durante os clipes de sua nova era.
Em “CANDY”, assim como em todo o projeto, o estilo continua sendo um tópico abordado – falando sobre peças de roupas, acessórios e visuais. A faixa disserta sobre um amor passado, mas que vive em sua mente e conta com uma interpolação do reggaeton de mesmo título de Plan B. A produção é excelente assim como os vocais da cantora, sendo um dos destaques do disco.
O lead-single do disco, “LA FAMA (with The Weeknd)”, expõe os aspectos negativos a respeito da fama. A canção traz novidades como The Weeknd cantando em espanhol – e é chocante! Sua produção é simples, mas feita excepcionalmente.
“BULERÍAS” continua discorrendo sobre a glória e o prestígio que a cantora alcançou, e tudo que a mesma teve de sacrificar. Ao longo do ritmo flamenco, Rosalía utiliza-se do autotune e vozes de fundo que constroem um ambiente único, íntimo e instigante.
Utilizando como referência o gênero de mangá e estilo típico de animes com conteúdo sexuais, em “HENTAI” esse ambiente é continuamente construído de forma sensual. Uma balada de pianos despretensiosos e ingênuos, que em conjunto da produção dinâmica oferecem uma performance ótima. Essa não é a única balada do disco, “COMO UN G” é uma faixa que fala sobre amor e também traz pianos e sintetizadores para a criação dessa atmosfera intimista.
O terceiro single, “CHICKEN TERIYAKI”, continua a trabalhar o conceito a respeito da fama, porém conta com uma estrutura simples. O mesmo acontece em “BIZCOCHITO”, que se sobressai pela produção desde os primeiros segundos. Elementos semelhantes são vistos em “CUUUUuuuuuute”, porém, em “Cute” (abreviando, pois, são muitos “u”) a notoriedade se dá por outros fatores. A quebra no ritmo e a presença de tantos elementos que tornam a faixa caótica são inusitados e excelentes.
O disco também conta com faixas grandiosas como “G3 N15” e sua música de encerramento, “SAKURA”. Nelas, todo o trabalho instrumental realça os vocais da artista. Ao final de “G3 N15”, ouvimos um áudio da avó de Rosalía, gravado em um momento da quarentena pela COVID-19 em 2020, aconselhando sua neta e falando um pouco sobre a família, conduzindo para que a faixa torne-se cada vez mais afetiva e pessoal.
Com muito potencial para ser uma faixa completa, a interlude que dá título ao projeto deixa um gosto de quero mais. Excelência pura e extremamente interessante, “MOTOMAMI” conta com batidas pesadas ao seu fim e sintetizadores fascinantes em seu início. O mesmo não acontece na interlude “Abcdefg”, na qual Rosalía recita o alfabeto de Motomami, mas que não acrescenta nada.
Em todo o disco presenciamos a utilização do autotune. Em “DIABLO”, o acessório na voz da cantora permite a criação de um reggaeton mais carregado e , digamos; de certa forma, pesado, mas que ainda assim muito íntimo. Essa produção mais carregada é evidenciada em “LA COMBI VERSACE”, uma parceria com Tokischa. Esse já é o segundo trabalho junto das duas cantoras, e remete à algumas faixas dos últimos discos de Arca.
Os diferentes ritmos como o jazz presente em “SAOKO”, continuam a aparecer em faixas como “DELIRIO DE GRANDEZA”. Nesta, Rosalía homenageia o cantor cubano Justo Betancourt, fazendo um cover da música com o mesmo título lançada em 1968. Temos a adição do sample de rap de Soulja Boy em “Delirious”, hit de 2009. Toda essa combinação de ritmos complementa a complexidade do disco.
Ao fim da obra, MOTOMAMI é uma fusão de diversos gêneros para a criação da particularidade reunida de uma produção provocativa e experimental, mas muito pessoal. Embora exista uma dificuldade de coesão no projeto, essa diversidade acompanhada de alta qualidade compensa a bagunça. O disco, infelizmente, constrói uma imagem para os não falantes da língua muito menos complexo do que realmente é. Os elementos experimentais e, por vezes caóticos, podem esconder as letras profundas e pessoais para novos ouvintes. Mas o disco em seus aspectos produtivos, sonoros e visuais é excelente e pode precisar de mais que uma ouvida para sua imersão completa. MOTOMAMI é o melhor disco de Rosália até o momento, onde ela brinca com gêneros como o flamenco, reggaeton, pop, R&B, e até mesmo utiliza de samples do tiktok (inicio da faixa “CUUUUuuuuuute”); desfrutando de novas experiências e revelando a nova faceta artística da cantora.

9.0