ELVIS é um espetáculo cinematográfico para amantes dos bastidores da música (Crítica)
Tão agitado quanto as danças de Elvis Presley, novo filme de Baz Luhrmann é um espetáculo visual e soa como uma peça de teatro
Publicado em 15 de julho de 2022, por Matheus Soares • Críticas, O Pop de Londrina, Oscar 2023[ATENÇÃO: POSSÍVEIS SPOILERS LOGO ADIANTE!]
Espetáculos audiovisuais biográficos são produzidos em Hollywood já a algumas décadas. Contudo, eles sempre ganham novas roupagens e maneiras de abordar a história de uma lenda. Após assistir “Elvis”, o diretor Baz Luhrmann me deixou reflexivo: vale a pena fazer um empréstimo com juros altíssimos para se tornar o Rei do Rock?
A sinopse oficial do filme indica: “Desde sua ascensão ao estrelato, o ícone do rock Elvis Presley mantém um relacionamento complicado com seu enigmático empresário, Tom Parker, por mais de 20 anos.”, e aqui vai um pequeno spoiler: o filme deveria ter se chamado “Elvis e Tom Parker”, pois é uma obra sobre a relação empresarial e pessoal de ambos, e a gigantesca manipulação por trás da mente que criou um mito e o controlou até o último segundo.
Antes de falar do filme e seus desdobramentos, preciso contar uma pequena história, que começa com um recém-antigo-Cinema de Rua da minha cidade (Londrina), que também é uma cidade que possui Elvis Presley como referência cultural.
Pré-estreias são recomendadas para aqueles que encaram o cinema como um estádio de futebol no jogo mais importante do campeonato: tem gritaria, piada, choro, ansiedade e (dependendo) muitos aplausos. Na minha vida, me arrisquei poucas vezes em pré-estreias: High School Musical 3: O Ano da Formatura, dominada por fãs apaixonadas por Troy Bolton e meia dúzias de fãs da Sharpay Evans (eu sendo um). Premonição 4, a sessão mais bagunçada da minha vida, que incluía luzes piscando como balada antes do filme, e um 3D que impressionava de tão bizarro. Mais recentemente, Homem-Aranha 3: Longe de Casa, sozinho, querendo descobrir se veria de fato três atores interpretando Homem-Aranha, e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, o início de um sonho que deu tudo errado.

(Portal Pop3/Reprodução)
A pré-estreia de Elvis me remeteu diretamente à sessão de Premonição 4, mas por ser tão divertida e envolvente. A convite de um amigo do trabalho, fui com outra amiga conferir o pré-lançamento, sabendo que o longa-metragem vinha causando burburinho pela internet. A sessão foi no Cine Villa Rica, citado algumas vezes no Portal Pop3, e que possui uma legião de fãs no acompanhamento de lançamentos e filmes nostálgicos desde sua reabertura no início de 2022. Meu contato máximo com cinema de rua foi com o Cine Com-Tour, que ainda estava dentro de um shopping, mas tinha uma vibe diferente de qualquer outro cinema de Londrina. Diferente do Com-Tour, o Villa Rica é de fato um cinema de rua, no centro da segunda cidade mais populosa do Paraná.
Minha amiga me deu carona de carro para irmos rapidamente, estávamos atrasados. O filme começava 21h30, e ela passou em casa 21h09. Ao chegarmos no Villa Rica, de frente com a Concha Acústica, nos deparamos com o fim de um evento que ocorrera anteriormente, que incluiu shows, um Elvis vestido de azul e um happy hour que embebedou a maioria. A cena que observei nos primeiros minutos mostrava que está pré-estreia seria diferente: era a primeira vez que me deparava com adultos acima de 40 anos indo conferir um filme completamente domados por chopp e super ansiosos. A fila da pipoca era imensa, sem chances de conseguir uma a tempo — uma decepção pessoal, pois herdei a paixão de conferir um filme comendo pipoca; talvez uma influência da minha mãe.
O investimento do Villa Rica para a pré-estreia de Elvis foi impressionante: muitas pessoas estavam com a camiseta do artista, outras até usando roupas iguais e topetes em homenagem. O cantor estava em todo lugar, com display em tamanho real e pôsteres de suas produções cinematográficas espalhados pelo espaço. Pareciam fãs de Harry Potter indo assistir As Relíquias da Morte – Parte I, ou fãs de One Direction indo assistir This is Us. E não é uma ansiedade exagerada: após Bohemian Rhapsody e Rocketman, Hollywood trata as cinebiografias de artistas como verdadeiros espetáculos. Ultimamente, ter uma obra do seu artista é uma nova forma de reviver a discografia, os vídeos, as performances e as tretas. “Mas será que Elvis tem tanta história assim?” me perguntei, pensando como o filme percorreria sua história em 2h49min — me choquei com a duração do longa-metragem quando descobri, confesso.

(Portal Pop3/Reprodução)
Como grandes maestros, o Villa Rica trouxe uma abertura linda para a exibição: foram exibidas fotos que relembravam a história do espaço, filmes que esgotaram sessões ao longo de décadas, Lua de Cristal e Titanic, e as próximas exibições especiais: Blade Runner, Alien, O Exorcista e A Hora do Pesadelo, que me arrancou um choque perceptível ao redor, de tão animado que fiquei.

(Portal Pop3/Reprodução)
Também houve um momento emocionante e, sinceramente, que me causou alegria por sempre tentar conhecer o máximo da arte de minha cidade: foi exibida uma performance de “My Way” por Jeferson Inácio, lendário cover de Elvis Presley de Londrina. Foi um momento impactante não só por lembrarmos de uma figura amada e respeitada na região, mas por ele ter sido um herói na minha vida e na de colegas do terceirão: em 2013, a direção do colégio que estudava havia cancelado a formatura após alguns protestos contra ações duvidosas da equipe administrativa. Foi o Professor Jeferson que moveu muitas montanhas para fazer uma festa de formatura acontecer e não decepcionar cinco turmas de terceiro ano do Ensino Médio. Seu esforço resultou em uma festa linda. Voltando ao presente, após o vídeo da performance, a mensagem exibida após a performance causou um rápido silêncio seguido de aclamação geral: “JEFERSON INÁCIO será sempre nosso ELVIS londrinense. Gratidão eterna!”.

(Portal Pop3/Reprodução)
Voltando ao filme, meu conhecimento sobre Elvis Presley era tão genérico quanto um terror lançado direto para DVD. Sabia que ele era considerado o Rei do Rock, usava uma roupa icônica branca (e variações), teve uma filha que se casou com Michael Jackson, adquiriu problemas com medicamentos e havia uma lenda que não havia morrido. Eu conheci “Cant Help Falling In Love” através do A*Teens. No meu mundo, não fazia a mínima ideia que sua carreira artística era tão conturbada, aclamada e, além do casamento e filha, havia um protagonista fundamental para seu sucesso: Coronel Tom Parker, interpretado por Tom Hanks.

(Warner Bros./Reprodução)
O que tornou o filme mágico para minha experiência desde o início é que, antes mesmo de Elvis ganhar sua primeira cena destaque, temos a contextualização de Tom Parker: um cara ganancioso e que se impressiona que um homem branco esteja cantando “música negra” na rádio estadunidense. Apresentado de forma irônica, fica subentendido que ele é um vilão que possui sua defesa pronta antes mesmo de um crime ocorrer.
Trazendo um pouco de contextualização atual e comparação, a figura de Tom Parker na carreira de Elvis é tão importante quanto Rick Bonadio para Mamonas Assassinas e Rouge, Simon Cowell e Little Mix e One Direction, Marlene Mattos e Xuxa. Em alguns momentos, assistia pensando “vai ser uma decepção se alguma obra sobre Xuxa não tratar Marlene com tanta importância quanto o Coronel para Elvis”.
No filme, o Coronel conhece Elvis, o potencializa, mas o controla. Ao longo de um primeiro ato caótico e muito – mas muito – editado, com diversos cortes que beiram a breguice, somos apresentados a primeira fase de Elvis, um jovem que se inspira diretamente na cultura e música negra para criar seu repertório. E isso incomoda o alto escalão da supremacia branca dos Estados Unidos, que ameaça Tom Parker caso Elvis não parasse de dançar como um negro no palco. Daí, vem seu primeiro ato vilãnesco: começar a podar o artista a ponto do mesmo se revoltar com tantas ordens e “faça o que mando”. O que causa consequências.

(Warner Bros./Reprodução)
O foco central da trama é a relação de artista e empresário. É um filme sobre bastidores, sobre manipulação, sobre contratos que custam a saúde de um artista. Tão repugnante quanto ao contrato de Kesha assinou com Dr. Luke, a trama mostra como o controle empresarial de Elvis o feriu profundamente. Apesar de observar que algumas críticas apontam certa decepção no protagonismo do personagem de Tom Hanks, acho um acerto do diretor Baz Luhrmann dar a devida importância no papel de empresários – principalmente os que manipulam e se aproveitam de contratos abusivos – para trazer ao público uma noção dos motivos de tantos problemas envolvendo a vida pessoal de Elvis Presley.
Baz Luhrmann, cineasta por trás de Moulin Rouge e O Grande Gatsby, traz muito de sua identidade e criatividade para a história. Na edição final do filme, Tom Parker é o narrador da história, que parece uma peça de teatro: o personagem surge de forma fantasiosa em um cassino durante três atos, que envolvem momentos importantes da carreira de Elvis. A primeira, mais confusa e corrida, narra os primeiros anos do artista, a conquista da casa e Cadillacs rosas, e um hiato fora dos Estados Unidos, quando sua carreira estava em apuros. Do primeiro ato, um conselho: não pisque os olhos e não tome muito refrigerante, pois o ritmo é frenético, inclui diversas montagens, colagens, passagens criativas e diálogos rápidos.

(Warner Bros./Reprodução)
O segundo ato é muito mais coeso e “acalma” o ritmo do longa, introduzindo um Elvis que aposta na carreira no cinema e finaliza com o 68 Comeback Special, o ápice das cenas ambiciosas do filme. Na minha minha sessão, o especial foi o momento em que o público ficou em silêncio e atento, prestando atenção em cada detalhe, como se estivessem validando o que era representado. A introdução da esposa Priscilla Presley também foi um ponto alto para mim, em um diálogo divertido e inserção perfeita do cover de Kacey Musgraves para “Can’t Help Falling in Love”. Uma sequência também interessante é o retrato de algumas músicas que Elvis regravou a ponto de parecer o artista que as criou — “Tutti Frutti”, por exemplo. O filme não esconde como Elvis “se inspirava” na cultura negra da época, grande responsável por ajudar a criar a imagem do artista.
Ainda que importante, a figura de Elvis em alguns momentos é quase um momento de luxo, pois ele não é um protagonista solo. Tom Parker está quase sempre ao lado, com um Tom Hanks que se esforça para ganhar um Oscar em 2023. Há um problema nesta dinâmica artista e empresarial em Elvis: o foco narrativo do filme fica apenas com o personagem de Tom Hanks, que chega a quebrar a quarta parede para falar com a audiência.
Há um gosto de “quero mais Elvis” durante boa parte dos atos e faltam momentos que explorassem mais o impacto negativo da gestão na vida de Elvis, principalmente na relação com a filha e esposa. A ruína de seu casamento com Priscilla Presley, por exemplo, é muito vaga, chegando em um ponto de não entender se eles haviam de fato se divorciado completamente. Para um filme biográfico, essas passagens são fundamentais para conectar a vida pessoal do artista com o público, especialmente novas gerações como eu;
Apesar desses pontos, ainda gosto e defendo o protagonismo do personagem de Hanks: é preciso retratar mais vezes empresários e gravadoras que ferram com a vida de artistas ou os colocam em situação de exploração ao ponto de precisar recorrer à extremos para conseguir realizar um show ou turnê. O ator Austin Butler apaixona com seu E.P. (apelido de Elvis), e impressiona com a retratação do Elvis exausto e mais velho. É um período delicado de se tratar, principalmente para não chegar em um nível Oscar-bait, mas Austin é espetacular como Elvis até os minutos finais.

(Warner Bros./Reprodução)
Entre falações (que não incomodavam) e uma pipoca emprestada que recebi, a sessão de pré-estreia foi incrível. Os sussurros e aclamação por parte dos fãs eram perceptíveis, com gritos ao reconhecerem uma canção ou a reprodução exata de momentos que estão disponíveis no YouTube. No terceiro ato, tudo ficou em silêncio, como se eles estivessem angustiados já sabendo o que poderia ser exibido ali. O filme chega em uma narrativa final delicada em todos os detalhes, explorando os anos “Vegas” de Elvis e como foi incrível para os fãs, mas um pesadelo para o artista.

(Portal Pop3/Reprodução)
A cena final do filme é muito bem montada e me impressionou pela transição natural entre o que era fictício e real. Um momento de glória e angústia para Elvis retratada na tela. Assim como outros filmes, procurei a cena “verdadeira” completa no YouTube para comparar como o fictício se comportou perto da obra original. Foi magicamente bem feita e fechou o terceiro ato perfeitamente, com as cortinas que se fecham em uma perfeita conclusão teatral.
Ao fim da sessão, já tinha minhas conclusões. Adorei a dinâmica de expor um bastidor podre da música rock, de não esconder a influência negra na vida de Elvis e a preocupação do diretor em tornar o longa-metragem um espetáculo completo — algo que cumpre com maestria. É um filme que agradeço por ver no cinema, pois não teria o mesmo impacto em casa, principalmente pela longa duração. Baz Luhrmann entende que um Rei na música precisa de um espetáculo para narrar seu impacto musical, Austin Butler entende como atuar convincente o suficiente para honrar seu personagem e Tom Hanks convence como um narrador que era um picareta e um grande vilão de filmes clássicos. Espetacular!

Nota: 4
