Industry: 2ª temporada é montanha-russa de um jogo do capitalismo para quem o assiste de dentro (Crítica)
A 2ª temporada que ninguém está comentando serve o melhor e mais estressante da TV britânica
Publicado em 11 de dezembro de 2022, por Guilherme S. Machado • CríticasTalvez seja difícil imaginar um ambiente de trabalho tão moldado por um capitalismo selvagem do que o mercado financeiro. Quando falamos de mercado financeiro aqui, não se trata de pequenos investidores que compram papéis de Tesla numa corretora internacional, mas sim os trabalhadores que organizam as finanças dos maiores bilionários e milionários do planeta.
Este trabalho por si só já seria extremamente estressante, mas a série Industry da HBO mostra os altos e baixos de quem convive diariamente neste mundo. Fica claro desde a 1ª temporada o quanto essa bolha de pessoas é distante do resto da sociedade e agora, na segunda, vemos um desenvolvimento bastante consistente e interconectado do que na primeira temporada havia sido bastante subdividido em cada núcleo dos principais personagens.
Harper (Myha’la Herrold) continua sendo uma das melhores protagonistas da década, justamente por fazer os espectadores passarem raiva assistindo-a. Suas ações erráticas estão até mais interessantes, mais drásticas e ela oscila entre alguém muito empenhada e alguém insensível. Ela é claramente perdida, ao mesmo tempo que sobrevivente. Se torna admirável o que a personagem consegue mover, as conexões que faz e sua relação com Jesse Bloom (Jay Duplass), uma espécie de ricasso que está sempre nos holofotes, uma versão fictícia de Elon Musk — menos surtado.

(HBO/Reprodução)
Esta mesma personagem independente, que já foi em algum momento próxima de Eric Tao (Ken Leung) passa todos os novos episódios tentando compreender — e o público também — em que pé eles estão. O final da temporada dá uma sentença do que seria o relacionamento dos dois e um possível imaginário de futuro.
Industry: para quem usa muita cocaína, este ambiente de trabalho é conservador demais
Um dos mais emblemáticos trunfos de Industry é se propor a retratar uma fatia específica do mercado de trabalho, que têm uma série de complicações e complexidades: as relações de trabalho dentro do mercado financeiro. Nesta temporada um dos temas mais relevantes é a fusão da Pierpoint com outra empresa financeira dos EUA e um iminente possível corte de funcionários.

(HBO/Reprodução)
Ao mesmo tempo que essa empresa sai de uma pandemia, ela busca como fazer mais dinheiro a partir de concessões, lobbys e pressões acerca de governos para utilização da iniciativa privada na saúde. No episódio 2, Yasmin Yazdani (Marisa Abela) sugere para clientes (investidores endinheirados) que o Brasil e os EUA sejam foco de investimentos na área da saúde já que estes haviam conduzido de maneira péssima a crise da covid-19.
O ambiente de trabalho nesta temporada se torna um poço de contradições: as relações sexuais entre superiores ou clientes se tornam públicas, as relações entre o setor privado e os governos mais se parecem uma relação abusiva de bilionários para com sistemas públicos e o desejo de se sobressair diante dos colegas é um dos pilares que movem a protagonista — derrubando quem for necessário para isso.
As próprias relações interpessoais que são expostas na trama também indicam um distanciamento deste mundo de questões, digamos, “etéreas”. Como tudo é movido por dinheiro, temos momentos de migalhas de empatia, normalmente fora do ambiente de trabalho. Yasmin e Kenny por exemplo, que poderiam ter um grande recomeço após o período de aprendizado sobre ambiente de trabalho, acabam se afastando cada vez mais pois nada parece genuíno quando movido por grandes estruturas de capital.

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Mesmo assim, esta temporada não deixa o espectador apático: na realidade coloca todos estes elementos numa narrativa dinâmica, com muitos cliffhangers interessantes, plots cabíveis, interconectados e conversa com um mundo exterior àquele retratado que ainda é desconhecido por muitos.
Tá virando crime ter personalidade
Os questionamentos sobre cenas de sexo na série afetaram vários críticos internacionais e uma parte do público. Nos últimos anos há este debate, muito promovido sobre a necessidade destas cenas, quais as implicações, machismo por parte da produção e assédio sexual dentro de sets de filmagem.
Posso começar pelo mais simples e dizer que desde 2018 há convenções entre sindicatos de atores para evitar assédio e falta de consentimento entre atores em sets, sendo criada então a função de Coordenador de Intimidade em sets de filmagem. Ponto, não é para ter ocorrido assédio nem desconforto nos sets de filmagem de Industry, que inclusive são Coordenados por David Thackeray, que também coordenou os sets de Sex Education (3ª Temporada) e Heartstopper (1ª Temporada). Não há denúncias também por parte dos atores.

(HBO/Reprodução)
O segundo ponto seria o machismo, que realmente afetou uma série de produções dos anos 90 mainstream que eram feitas “para macho ver”, sob um olhar masculinizante que fazia essas cenas virarem um evento de masturbação para homens atrás de mulheres padrão. Em Industry e várias outras séries, isso pode também fazer parte da estética da narrativa e as pessoas começaram a não saber diferenciá-la depois de casos como Azul É a Cor Mais Quente, que realmente possui um olhar masculinizante sob corpos femininos.
Os showrunners de Industry que vieram do mercado financeiro garantem que foi este ambiente que encontraram por lá, e ter várias cenas de sexo se torna importante para retratá-los:
“O sexo é importante no contexto de um banco de investimentos de alta octanagem e ganância. Eles são movidos pela caça à dopamina. Você obtém uma resposta neurológica ao ganhar dinheiro.”
É exatamente isso que faz parte da montanha-russa da série e não sexualiza corpos a mais ou a menos por isso, mas sim fala sobre todos os tipos de sexo, principalmente os que têm segundas intenções. Sob meu ponto de vista essa visão conservadora e socioeducativa de esperar que filmes e séries tenham cenas de sexo apenas quando o espectador achar que levam a história a algum lugar é bastante infantil e de pouco conhecimento sobre os teores que podem nessas cenas haver dentro da arte.

(HBO/Reprodução)
Que saudades de uma série não-enlatada
Diante de um certo padrão-Netflix de criação de séries, Industry é um respiro na televisão, inclusive possui respaldo para várias temporadas após o final. Sua narrativa está em constante movimento e os personagens podem caminhar para muitos lugares. A série pega os melhores elementos da cultura televisiva britânica e encaixa-os perfeitamente neste ambiente hostil. Fazia muito tempo que não lidava com este rigor para criação de personagens caóticos — e basicamente não me lembro de vê-lo na TV americana desde Girls e genera+ion.

Nota: 4.5
