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Boate Kiss: Netflix lança minissérie sobre o desastre e seus desdobramentos (Crítica)

Com o marco de 10 anos da tragédia vivida em Santa Maria (RS), a Netflix trouxe essa semana em seu catálogo Todo Dia a Mesma Noite

Publicado em 28 de janeiro de 2023, por Críticas

O incêndio que continua a queimar até os dias atuais. Composta por cinco episódios, a mais nova minissérie da Netflix, dirigida pela cineasta Júlia Rezende, tem como base o livro Todo Dia a Mesma Noite: A História Não Contada da Boate Kiss, da jornalista Daniela Arbex, que também atua como consultora criativa na produção.

A história é contada explorando a vida dos sobreviventes, a luta incessante dos pais das vítimas, e também, o destino dos culpados pelo incêndio que matou 242 jovens, feriu outros 636 física e emocionalmente e, que continua a deixar cicatrizes profundas, mesmo depois de anos do ocorrido.

A cena de uma chama dá início ao 1º episódio. Ela vem de uma vela em cima de um bolo de aniversário, representando o fôlego crescente da juventude em toda a sua força e expansão, mas, também contrastando tristemente com a catástrofe que acontecerá com os jovens que nos são apresentados, ao decorrer do episódio.

Antecedendo o momento do clímax, somos introduzidos e nos sentimos na pele de cada personagem ali representados. Conhecemos brevemente seus sonhos, medos, incertezas e expectativas para a vida, que para todos só está começando, mas que logo mais para alguns, terminará dentro de horas.

O luto pelo incêndio na Boate Kiss, nos acompanha desde aquele fatídico 27 de janeiro de 2013. Mesmo sabendo disso, ao iniciar, nos deparamos com personagens cativantes e, quando tudo está se encaminhando para o trágico desfecho, esses mesmos personagens nos fazem inconscientemente torcer para que nada de ruim aconteça. Mas nessa dualidade de emoções, sabemos que torcer, rezar ou até cruzar os dedos, não mudará o que de fato aconteceu naquela noite. Nada vai mudar o que em seguida acontecerá diante de nossos olhos.

Caótico, desesperador e doloroso de acompanhar. As cenas durante o incêndio pecam na nitidez da ambientação, que pode ter sido uma alternativa menos “explícita” que a produção encontrou de caracterizar o ocorrido. Mesmo com suas pequenas falhas, a nuvem sufocante de aflição e caos, se mostra nítida na retratação, trazendo ao espectador o peso necessário do acontecimento.

O foco nos jovens é então dividido com os pais dos mesmos. O sofrimento presente na sequência é palpável e, à medida que os familiares vão se dando conta do está ocorrendo, é dilacerante, porém persistir assistindo, parece ser o correto e o mais corajoso a ser feito. Com isso, é importante destacar cenas marcantes, como: a de um pai e uma mãe no estacionamento, acionando o alarme do carro do filho, no último suspiro de esperança de que o veículo não esteja ali; celulares espalhados em meio aos corpos, vibrando e tocando a todo instante, todos com o mesmo contato escrito em suas telas: mãe.

O sofrimento causado pelo incêndio é infinito e crescente ao longo de cada episódio. Os sobreviventes passam então, dia após dia, a lidar com as cicatrizes físicas e emocionais, presentes e eternas. Cada família reage à sua maneira perante as perdas, mas em todos eles, há um sentimento unânime: o de justiça.

Aos poucos, o enredo cresce ainda mais, quando os culpados vão sendo revelados. Por instantes, um susto! Pois, o rumo que a história toma, parece estar nos levando para uma possível humanização de um dos personagens acusados: o dono da Boate, na série retratado com o apelido de “Dedé”. Mas de forma rápida e eficiente, o roteiro já nos mostra o quão desprezível a figura de Dedé se mostra, quando o mesmo repete várias vezes ao longo da série, frases como: “A minha vida acabou! “Eles acabaram com a minha vida!”. 

É importante destacar a preocupação com a autenticidade dos fatos. O roteiro procura sempre nos situar no ambiente, por meio do sotaque e das gírias regionais. Mas, o que é um diferencial em produções atuais, acaba pecando no exagero e fazendo com que muitas vezes, a pronúncia das palavras soe exageradamente e não natural. Contudo, isso se torna apenas um detalhe, que dificilmente vai atrapalhar a imersão na história.

A autenticidade das situações, também é notada destacando temas como: ganância, negligência e corrupção, que são retratados de maneira corajosa e objetiva. E conforme mergulhamos nesse oceano de descaso, em que os pais das vítimas estão submersos há exatos 10 anos, estamos à flor da pele lutando ao lado deles.

“Por memória, por justiça, e para que não se repita” frase presente na obra e que faz jus ao que a mesma se propõe. Pois, em meio a falhas sutis, a minissérie expõe com respeito, a vida, o sofrimento e as consequências permanentes de uma tragédia que ainda continua a se desdobrar. Todo dia a Mesma Noite traz um roteiro coeso, uma direção notável, um elenco preparado e uma produção comprometida a expor os fatos, com verossimilhança, por meio da intensidade que contém cada episódio e cada momento dessa história que chocou o Brasil e o mundo.

Todo Dia a Mesma Noite
Todo Dia a Mesma Noite
Netflix
Daniela Arbex, Gustavo Lipsztein
Mariza Leão, Tiago Rezende, Gustavo Lipsztein
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Nota: 4

Nota: 4
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Neta perdida do Tony Ramos, mas ele ainda não sabe. Doida por música, cinema e animação desde que me conheço por gente. Ainda não sei se eu escolhi a arte ou ela me escolheu. Atualmente sou designer, mas queria mesmo era ser herdeira.